Quarta-feira, 30 de Novembro de 2011
A Marinha Mercante Portuguesa na transição do século XX para XXI

Sessão de trabalho a realizar na Academia de Marinha em 7 de Novembro de 2000 constituída por um painel formado por quatro membros desta Academia, Almte. Cruz Junior, Comte. Barbosa Henriques, Comte.Ferreira da Silva e Eng. Gonçalves Viana.

 

Introdução (por G.Viana )

As razões de fundo que presidiram à realização desta sessão se trabalho na Academia de Marinha são essencialmente de duas ordens: a primeira é o estado a que chegou esta actividade sendo para nós verdade insofismável de que se trata de uma actividade estruturante fundamental para a manutenção da identidade nacional e portanto da própria independência do País, e a segunda é que ela constitui um conjunto de actividades que devidamente geridas podem contribuir para subir o PIB nacional para valores mais elevados o que não acontece com várias actividades muito ajudadas e que se baseiam em ordenados mínimos e valores acrescentados diminutos.

No entanto isto implica desfazer alguns preconceitos e alguma ignorância, que têm vindo a prejudicar as iniciativas que foram em tempos tentadas para recuperar a Marinha Portuguesa, além de alguns interesses que se opõem por julgarem poderem ser prejudicados.

São apresentados dois textos para servirem de base para o debate coma finalidade essencial de se chegar a uma solução minimamente aceitável para este problema que mais do que económico é existencial para Portugal: o primeiro sobre a evolução da Marinha Mercante Portuguesa durante o século XX com considerações sobre algumas  causas profundas dessa evolução e o segundo com reflexões sobre a competitividade nacional e sua relação com a Marinha Mercante.

Depois da breve apresentação dos tópicos essenciais destes dois textos passarei a palavra aos membros do painel e logo após as suas intervenções iniciaremos o debate com a participação da assistência.

 

 

A Marinha mercante portuguesa no século XX

1-Introdução

De forma muito geral a Marinha mercante portuguesa no início do século XX era quase inexistente e cem anos depois estava em situação semelhante, após ter atravessado um período entre o fim da década de quarenta e 1974 de razoável desenvolvimento.

 

A análise desta evolução de um século passa em primeiro lugar pela história, naturalmente resumida, da Marinha mercante mundial e pelos factos históricos mais relevantes desde este ponto de vista e a seguir pela história portuguesa, igualmente resumida, desta actividade.

 

Por razões óbvias terá que ser um trabalho muito sintético, não só pelos objectivos desta sessão mas também porque uma obra de maior fôlego sobre o mesmo assunto  será realizada em breve no âmbito da História da Marinha em curso na Academia de Marinha.

Reconheço que teria sido ideal ter começado por esta e só depois fazer a síntese, mas a realidade é o que é e portanto corro o risco de vir a ter que corrigir algumas das afirmações agora produzidas porque futuras investigações mais aprofundadas poderão trazer algumas alterações.

 

No entanto estou convencido que nas grandes linhas não haverá razões para mudar de opinião, mas se isso tiver que acontecer, assim seja em prol da busca da verdade que deve constituir o lema básico de quem é bem intencionado em geral e de quem trabalha como historiador em particular.

 

2-Evolução mundial

1900-1/5 da população mundial participa numa economia assente no comércio à escala internacional.

População mundial  1,6 biliões

A maior parte da humanidade ainda vive sobre si própria inserida em economias muito localizadas e quase exclusivamente de subsistência.

 

Inicia-se a produção industrial em grande escala (exemplo: Ford )

 

1912-Afundamento do  Titanic, que levou à adopção de regras mais rigorosas quanto a segurança e mostra claramente as dificuldades em implementar tudo que conduza a maiores gastos mesmo que sejam correspondentes a melhores níveis de qualidade, como consequência da inércia dos interesses estabelecidos e da falta de força das entidades a quem compete a regulamentação e a respectiva fiscalização.

Inicia-se a relação entre os acidentes graves e  a transferência dos problemas dos navios para a humanidade em geral.

1914- 1918 Grande guerra

 

1917-Instauração do regime comunista na Rússia

 

1920-A partir da década agora iniciada começa a radiodifusão a espalhar por todo o mundo informação até aqui apenas acessível ao quinto da humanidade mais avançado.

 

A influência que este fenómeno de divulgação de conhecimentos irá ter no transporte marítimo resulta da abertura que provocou nos mercados fazendo crescer enormemente o número de clientes e de fornecedores e portanto do movimento do principal meio de transporte: o marítimo.

Daqui também o desenvolvimento das grandes cadeias de distribuição, primeiro nos EU, depois em todo o mundo.

 

1929-Grande depressão que afectou todo o mundo especialmente os EU e a Europa e provocou o desenvolvimento de mecanismos nacionais e internacionais  tendentes a contribuir para a estabilidade económica, tentando equilibrar o liberalismo com medidas de controle à mistura com os jogos de interesses dos grandes protagonistas e mais tarde com o peso crescente dos problemas ecológicos.

 

1939-1945-Segunda guerra mundial

 

1946 – início da guerra fria

 

1950- População  mundial 2,4 biliões

 

1/3 da população mundial participa na economia assente no comércio à escala internacional

Iniciam-se as emissões de TV, que dentro de alguns anos terão ainda mais influência na disseminação de informação que já tinha havido três décadas antes com a radiodifusão.

Desenvolvem-se as bandeiras de conveniência.

 

1955 -Início da segunda revolução tecnológica na Marinha mercante: especialização com ênfase para a contentorização ( a primeira havia sido cerca de 1866 a utilização de vapor e aço)

 

1956-Fecho do canal do Suez

Crescimento da tonelagem média unitária, que de 1900 até 1955 havia sido de cerca de 1% por ano passou a ser superior a 2%. Começam a surgir os navios supertanques.

Mudança de carvão como combustível para petróleo e grande desenvolvimento dos motores Diesel.

1960-65- Início de operação de aviões a jacto, isto é o início do fim do transporte de passageiros  por via marítima a longas distâncias.

 

Início da transferência do centro de gravidade do “shipping” e da construção naval do Atlântico para o Pacífico.

 

1965-início da informatização do controle do aparelho propulsor com as respectivas consequências nos custos de investimento e reduções nas tripulações.

Desenvolvimento de navios de cruzeiro, mais como hotéis flutuantes que navios de transporte.

 

1967-Acidente ( encalhe ) com o petroleiro Torrey Canyon, dando início ao estabelecimento de regulamentos mais apertados para evitar a poluição pelos navios         ( MARPOL ) Deve notar-se que, no entanto, a maioria da poluição do mar não é originada pelos navios mas pelos efluentes vindos de terra.

 

Em 1971 nas dez primeiras bandeiras só apareciam duas de conveniência ainda com pequena expressão

 

Em 1985  já apareciam em primeiro e terceiro lugar a Libéria e o Panamá.

 

Em 1995 as dez primeiras bandeiras eram as seguintes:

1-Panamá        2-Libéria      3-Grécia                   4-Chipre                5-Bahamas

6-Noruega       7-Japão        8-Malta                     9-R.P.China         10-Singapura

 

Enquanto em 1971 só havia duas bandeiras de conveniência de influência norte americana, em 1995 já havia nas dez primeiras bandeiras cinco de conveniência e a da Noruega inclui o registo internacional NIS.

Portugal figurava em 1971 em 31º lugar e em 1995 em 49º.

 

1972-73-choque petrolífero, na verdade uma manobra de poder norte-americana a fim de dificultar a expansão económica alemã e japonesa, em particular, e de fortalecer a sua supremacia em geral, aproveitando a guerra no médio oriente.

 

1985-Portugal adere à Comunidade Económica Europeia

frota nacional- 1 929 692 tpb

1988-Adopção da política comum na CE

1989-1990-Fim do regime comunista  na Rússia e portanto fim da guerra fria.

 

1992-Assinatura do Tratado de Maastricht

 

 

No final do século verifica-se a tendência para diminuir o tráfego nacional de longo curso que é transferido para TMCD (transporte marítimo de curta distância) em consequência da alteração dos destinos e origens do nosso comércio.

 

 

1999-População mundial 6 biliões

Um toque de optimismo:

Cada vez fica mais patente que o desenvolvimento se pode processar com grande velocidade se, e talvez só se, houver no grupo social em causa enquadramento correcto.

Como fica exemplificado com os emigrantes sem qualificações académicas cujos filhos  nos EU ganham prémios Nobel.

A dificuldade está em como se faz esse enquadramento e quem o fará particularmente nas democracias débeis onde os políticos, naturalmente débeis, só fazem o que têm como certo lhes vier a dar votos nas eleições seguintes.

 

3-Evolução nacional

A situação em 1900 da nossa Marinha mercante foi dada lapidarmente pela citação apresentada por Serra Brandão no seu livro “A exploração comercial do navio” que passo a citar: “E assim, neste ruir contínuo, se chega sem navios, sem equipamentos, sem estaleiros e sem operários a uma situação marítima tão oprimida que só dela pode dar uma ideia a insignificante pequenez do nada. ( Pereira de Matos, 1901).”.

 

 

1916-Existiam então apenas duas empresas de navegação que se podiam classificar como sendo de longo curso: a Empresa Insulana de Navegação, EIN, parceria marítima, constituída em 1871 que já só operava dois navios para as Ilhas dos Açores, tendo desistido da carreira Lisboa-Açores-América a que se havia dedicado de 1885 a 1910 e a Empresa Nacional de Navegação a Vapor para a África Portuguesa, também esta parceria marítima, cuja constituição remontava a 1881 e que operava uma frota de 22 navios de passageiros e carga de longo curso e cabotagem ligando a Metrópole com os territórios ultramarinos de África e mantendo um serviço de cabotagem em Moçambique particularmente eficaz.

Nesta data como consequência da tomada de posição de Portugal na guerra com a Alemanha foram apresados 70 navios alemães e 2 austríacos que se encontravam em portos portugueses, representando cerca de 240 000 tab e constitui-se uma empresa estatal, os Transportes Marítimos do Estado,TME.

Destes navios apresados 42, cerca de 116 000 tab, foram cedidos á Inglaterra e á França que os utilizaram como transportes para apoio ao seu esforço de guerra.

Terminada esta foram devolvidos os que escaparam e como compensação pelos que se perderam foram pagas pela Inglaterra as respectivas indemnizações.

 

No entanto os Transportes Marítimos do Estado não administraram eficientemente a valiosa frota que possuíam e segundo Ramos de Sousa , in “ A renovação da frota mercante portuguesa”, vol.I,  pag 79, “nos TME respirava-se a plenos pulmões o ar impregnado de desordem, da irresponsabilidade, da desorientação política, que pairava sobre o País, com a agravante de ter sido o infeliz organismo dirigido sempre por pessoas que pouco ou nada sabiam das coisas da Marinha Mercante.

 

Transformou-se, assim num formidável ónus para o Estado, o que poderia ter sido o início da nosso renascimento marítimo comercial.”

 

Em 1918 , dissolveu-se a Empresa Nacional de Navegação a Vapor para a África Portuguesa e transformou-se na Companhia Nacional de Navegação, sarl, que dela recebeu toda a sua frota, edifícios, etc., começando imediatamente a sua exploração.

 

Em Agosto de 1919 foi constituída com larga participação da Companhia União Fabril a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, sarl, que iniciou a sua actividade marítima com o navio “Lisboa”, que pertencia à CUF desde 1914 e o utilizava no transporte de pirite do Pomarão para Lisboa.

 

Em 1920 foi criada em Ponta Delgada a Companhia dos Carregadores Açoreanos que em 1922 adquiriu os seus três primeiros navios com o objectivo de servir os interesses micaelenses de exportação e praticar o serviço de transporte marítimo. Aliás veio a ser das empresas de navegação portuguesas melhor geridas.

Em 1922 formou-se, em Lisboa, a Companhia Colonial de Navegação que iniciou desde logo o serviço para Angola com dois navios.

 

Em 1924 foram extintos os Transportes Marítimos do Estado dada a sua situação deficitária que provocou inúmeros escândalos e ainda maiores prejuízos ao erário público, tendo sido vendidos em hasta pública o que restava dos navios alemães apresados em 1916: 8 navios à SG, 7 navios à Nacional , 3 aos Carregadores Açoreanos e 1 à Insulana.

 

Em 1926 quando se inicia o governo do Estado Novo  a frota portuguesa não chegava a atingir as 186 000 tab. 

 

Em 1938 verificava-se a situação de grande dificuldade em adquirir navios para a frota nacional quer porque os estaleiros nacionais estavam limitados a pequena tonelagem, ( o de Lisboa, da CUF, construía navios como o “África Ocidental” de 1504 tab e além disto não se fabricavam motores e outros equipamentos essenciais, quer porque os valores de venda e os prazos eram alargados dado o clima mundial de período de pré guerra mundial e com a guerra civil de Espanha em plena evolução.

 

Embora se ouvissem críticas violentas quer ao desempenho das empresas privadas quer à falta de decisões do Governo quanto a medidas a tomar a favor de tão importante assunto como o transporte entre a metrópole e os territórios ultramarinos nada se fez de relevante excepto afretar navios estrangeiros de países neutros, que eram raros, cujo frete por uma única viagem atingiu o valor de um navio em segunda mão, antes da deflagração da guerra.

 

Para melhor se ajuizar qual a posição portuguesa em 1939 no panorama marítimo mundial torno a citar Serra Brandão: ” bastará dizer que nessa data possuíamos 261 000 tab em grande percentagem de  navios velhos, enquanto a  Noruega tinha mais de quatro milhões, a Holanda perto de três, a Suécia um e meio e a Dinamarca para cima de um milhão, só para fazer referência a pequenos países.”

 

Em 1939 foi criada a Junta Nacional  da Marinha Mercante, tendo sido nomeado seu primeiro presidente Américo de Deus Rodrigues Thomaz.

Entretanto adquiriram-se vários navios que excediam em muito os dez anos de idade, alguns dos quais de origem alemã que estavam fundeados em portos portugueses desde o início da guerra.

 

Por outro lado como não havia na frota portuguesa navios tanques, quando começou a guerra foi necessário recorrer a navios deste tipo para garantir o abastecimento ao país, tendo sido afretados navios franceses ( ao Governo de Vichy ), espanhóis e suecos.

 

Em 1943 entrou ao serviço o petroleiro Sam Brás, construído no arsenal do Alfeite para a Armada.

 

Em 1945 a frota de longo curso nacional tinha 61 navios cujo porte bruto era 307871 t, destes 41% eram remanescentes dos navios alemães de 1916, 8% haviam sido construídos para as empresas portuguesas e os outros adquiridos em segunda mão ao longo dos anos.

Quanto às suas idades basta ver que 51 deles tinham mais de vinte anos e apenas 4 menos que dez.

 

Em Agosto deste ano o Ministro da Marinha, Américo Thomaz, então capitão de mar e guerra,  através do Despacho nº 100 lançou as bases da renovação da frota mercante nacional, deixando para trás uma série bastante vasta de diplomas e medidas, de polémicas e questões que nada resolveram em profundidade e que conduziram a Marinha Mercante portuguesa ao estado deplorável em que se encontrava agora, embora algumas delas tenham contribuído para informar  e esclarecer quem tinha de decidir.

O plano então aprovado previa 69 navios novos com 374 200 tdw 

 

Em 1946 foi criado o Grémio dos Armadores da Marinha Mercante, embora desde 1934 já tivessem sido criados Grémios para outras actividades o que mostra o atraso que mesmo assim os assuntos marítimos continuavam a sofrer.

 

1947- É fundada a Soponata, empresa em cujo capital participam armadores e empresas petrolíferas, destinada a garantir o abastecimento de petróleo ao país, ainda em sequência da política energética iniciada em 1936 que deu origem à criação da Sacor com o intuito da diminuir a dependência energética nas multinacionais.

 

1956-tonelagem mundial 100 568 779 t, Portugal 0,57 %,i.e., 573 242 t.

 

1971- Desenvolvimento da reparação e da construção naval com a Lisnave em particular e da navegação comercial com ênfase especial para a Nacional e para a Insulana que desenvolvem actividades como terceira bandeira, embora sempre usufruindo das vantagens obtidas nos tráfegos reservados ou protegidos das províncias ultramarinas.

A maioria do capital da Insulana é adquirida à Casa Bensaúde pela Sociedade Financeira, através de um processo que na altura levantou alguma celeuma e originou um inquérito mandado instaurar pelo Ministro da Marinha, os Carregadores Açoreanos cujo principal accionista era o Eng. Gago da Câmara passam a ficar fundidos com a Insulana, por incorporação após a sua aquisição pelo mesmo grupo.

A Soc. Geral abandona a actividade de armador e a sua frota é englobada na CNN.

1973-PIB per capita em US$  em Portugal 1618 e na Europa 2077

 

1974-Em Março, fusão,  de  origem política, da Insulana com a Colonial dando lugar à CTM

 

1974-25 de Abril- Revolução que derruba o Governo de Marcelo Caetano

 

1974-Em Julho, após a queda do Governo chefiado pelo prof. Adelino Palma Carlos, no 2º Governo Provisório encabeçado por Vasco Gonçalves a Marinha Mercante ( e as Pescas ) deixam de ser geridas pela Armada e passam a depender de Ministérios civis.

 

1975-Estatizações de empresas que abrangeram, praticamente, apenas proprietários portugueses enfraquecendo de forma ainda não recuperada a estrutura empresarial nacional.

 

Descolonização fulminante e sem consideração pelos interesses empresariais nacionais, com efeitos devastadores na nossa Marinha Mercante.

Desde esta data até agora foram elaborados livros brancos, relatórios, pareceres, discursos, reuniões e seminários além de terem sido promulgados vários diplomas legais, fazendo lembrar o período das primeiras décadas do século vinte, mas felizmente com menos revoluções, sem que nada de relevante e positivo tivesse acontecido no que respeita a Marinha Mercante.

 

E não foi por falta de capacidade financeira ou de realização, pois , como exemplo podemos recordar, citando Abel Mateus,” que durante o período que vai de 1986 a 1995 o gap do rendimento per capita reduziu-se cerca de 13 pontos percentuais, ritmo jamais alcançado apenas numa década, na história económica dos últimos dois séculos. O investimento público e privado registou forte expansão e, no domínio das infra-estruturas, foram retomadas várias obras que haviam sido adiadas ou mesmo abandonadas”. O que nunca se verificou foi haver vontade política de restaurar a Marinha Mercante, ouvindo-se de alguns responsáveis argumentos do tipo “não é rentável”, “não é competitiva”, “os alemães não querem”, que sendo verdadeiros alguns deles não são minimamente inteligentes pois as causas reais são outras e estas não são mais que resultantes daquelas.

 

1985-Extinção da CNN e da CTM, acumulando dezenas de milhões de contos de prejuízos  e deixando milhares de pessoas desempregadas, sendo formadas de seguida  a Portline e a Transinsular.

 

!985-A Secção de Transportes da Sociedade de Geografia de Lisboa inicia uma série de trabalhos e conferências de que resultarão diversas propostas apresentadas aos vários Governos, no sentido de se restaurar a Marinha Mercante Portuguesa com resultados muito restritos, embora até hoje não tenha desistido e continue a insistir.

 

1987-Criação do RINM-MAR

 

1988- Início das privatizações

 

1993-A Câmara Portuguesa dos Armadores da Marinha Mercante, CAPAM, que havia sucedido á Associação correspondente e que por sua vez tinha sido a sucessora do Grémio dos Armadores quando estes organismos corporativos foram extintos após 25 de Abril de 1974, é dissolvida e passa parte das suas actividades para uma Associação, abandonando no entanto as actividades internacionais nomeadamente na ISF ( The International Shipping Federation) e na ICS ( International Chamber of Shipping).

 

1995-Entre 1980 e 1995 a frota portuguesa decresceu 46% em número de navios e 60% em tonelagem.

 

1998-A 10 de Julho é publicada a legislação relativa ao “Livro Branco” que a originou.

Nos dois anos que entretanto passaram não se registaram progressos sensacionais mas pode constatar-se que pelo menos houve a passagem de um regime fortemente condicionado para outro de grande liberalização, o que já é positivo e encorajador.

No entanto a frota do Registo Convencional, que se manteve inalterado, está reduzida a 20 navios, totalizando um porte bruto de  254 154 t, incluindo nestas um graneleiro de 151 040 tpb o que reduz a maioria desta frota ao tráfego de curta distância.

A idade média desta frota é de 14,57 anos.

O Registo da Mar tem 138 navios, com uma idade média de 18,2 anos, totaliza 1 290 616 tpb e os respectivos proprietários são Espanhóis, Ingleses, Alemães, Italianos, Dinamarqueses e Portugueses ( 20 navios ).

 

Os arquipélagos da Madeira e dos Açores dependem naturalmente quanto a movimentações de cargas da Marinha Mercante. O valor dos fretes praticados neste tráfego é muito alto e nunca foi devidamente tratada a solução que deveria proporcionar aos habitantes destas ilhas facilidades de transporte que lhes desse o mesmo nível de competitividade do continente. 

 

4-Análise global com ênfase especial para os aspectos  relacionados com a defesa nacional: apoio à Armada, preparação de pessoal e mentalização da população quer para colaborar em caso de emergência e para aceitar o dispêndio das verbas que são exigidas para manter uma armada operacional.

 

Para melhor se compreender a evolução portuguesa convém recordar dois factos, relativos um a Portugal e o outro a uma característica essencial da Marinha Mercante.

O primeiro é o fortíssimo centralismo da sociedade portuguesa instalado por D. João II em parte à custa da elite dominante do seu tempo mas logo de seguida transferido para a que se seguiu e que nunca mais abandonou as elites dominantes quaisquer que fossem os regimes políticos em vigor.

 

Aliado a este centralismo, sediado em Lisboa, há que considerar a fraca vocação empresarial de risco destas elites que sempre tentaram obter benefícios e protecções que, embora circunscritos ao espaço dominado pelo Estado, lhes ia dando o poder interno que pretendiam sem pretensões de inovação, de competitividade e de evitar a mediocridade, culpando sempre outros das suas deficiências fossem eles a Igreja, os interesses estrangeiros ou outros.

 

Daqui resultou atraso sistemático no desenvolvimento tecnológico e empresarial, fluxos migratórios negativos, isto é, saída dos mais empreendedores e entrada preferencial de mão de obra sem qualificação com raras excepções episódicas, número baixíssimo de registos de patentes de invenção, perda de oportunidades de aproveitamento de riquezas a que tivemos acesso durante séculos, a proliferação de falácias do tipo “somos um país pobre” quando de facto fomos um país de pobres, ou mais exactamente de mal governados, o que é muito diferente.

 

Se compararmos um aparentemente pequeno pormenor nas histórias de Portugal e dos Estados Unidos poderemos avaliar de imediato a diferença abissal do desenvolvimentos verificados nestes dois países: na nossa diz-se sempre que “ em tantos de tal foi autorizada  ( antes pelo Rei, depois de 1910 pelo Governo ) a indústria fulana de tal”, normalmente seguida a dita autorização da definição de protecções e/ou benesses várias concedidas; na dos E.U. diz-se apenas “foi inventada a lâmpada e iniciada a produção de electricidade e aparelhos eléctricos pela empresa tal e tal”.

 

O sistema nacional de excesso de poder arbitrário e de falta, tantas vezes propositada de regulamentos simples mas eficazes, tem vindo desde longa data a estrangular a iniciativa e a competitividade empresariais e a fomentar a influência dos vários níveis da hierarquia do Estado em decisões desnecessárias mas obrigatórias que só beneficiam quem as toma em prejuízo da eficiência das empresas em particular e do país em geral.

Um dos exemplos mais frisantes deste tipo de actuação foi a introdução do gás natural que não só se atrasou cinco ou mais anos como acabou por custar ao consumidor bastante mais do que seria razoável se tivesse sido conduzido de forma eficaz.

 

Outro exemplo das consequências desta maneira de pensar e actuar durante este século XX em Portugal foi, não só não ter havido progresso no aproveitamento da navegação fluvial, mas pior ainda, terem sido destruídos os poucos canais existentes, verificando-se a guerra, inqualificável em termos educados, primeiro entre o rio e o caminho de ferro depois entre este e a rodovia sem que os nossos cérebros do ordenamento territorial e económico se terem apercebido até hoje  que estes diferentes meios não são conflitantes mas complementares.

Outra dificuldade que veio aumentar a inércia das decisões necessárias à restruturação da Marinha Portuguesa foi derivada de duas atitudes que passaram a ter direitos de cidade na nossa vida política e que se podem classificar da forma seguinte: mediatismo e imediatismo associados.

A primeira significa que só é dada importância ao que é mediático, ou seja que constitui espectáculo, o que se avalia pelo seu eco nos media, particularmente na TV, na Rádio e nos Jornais.

A segunda significa que tudo tem que ser de efeito imediato, isto é, com consequências nas eleições próximas o que inviabiliza, ou pelo menos dificulta muito, acções profundas de alteração de comportamentos e atitudes.

 

O segundo facto é o carácter fortemente empresarial da Marinha mercante seja qual for a estrutura de capital implicado fruto do carácter capital intensivo desta actividade e da indispensabilidade de ser global a sua gestão.

Além disto não podemos esquecer que a Marinha mercante se iniciou mais como um negócio sistémico em que o navio era o sustentáculo material e não apenas como um serviço de transporte como hoje em dia é em grande parte e que só se limita ao transporte de cargas nacionais nos casos de países de grandes dimensões se quiser ter dimensão mundial.

 

Atente-se nos exemplos da Dinamarca, Grécia, Noruega, Holanda, Finlândia.

 

Também não podemos esquecer uma confusão que reina em muitas cabeças importantes da nossa terra quanto ao liberalismo e ao proteccionismo e que tem levado, em nome do primeiro, a contribuir para a destruição da nossa Marinha mercante pois ela não pode ser competitiva em relação a todas as que têm protecções, apoios e ajudas das mais diversas, e que são quase todas as existentes.

A começar na dos EU, país considerado como o apóstolo do liberalismo mas onde a respectiva Marinha mercante tem vários escudos protectores. É claro que as medidas a tomar têm que ser consideradas em relação às marinhas estrangeiras nossas concorrentes e não em relação à nossa agricultura ou aos nossos têxteis, aliás como foi feito entre nós há alguns séculos atrás, quando os nossos políticos  de serviço entendiam qual o valor da Marinha para a economia e para a independência do país.

 

Também não podemos esquecer a importância que a Marinha Mercante de um país tem para a dimensão e para a eficiência da sua Armada, uma vez que a componente de uma Armada relacionada com a actividade oceânica e internacional, portanto para além da actividade de defesa das costas, depende da dimensão dos interesses económicos internacionais que importa defender e que por outro lado fornecem os fundos necessários à sua manutenção.

 

Não havendo marinha mercante nem outros interesses ultramarinos e oceânicos como se podem justificar os elevados custos e investimentos que uma armada de alto mar implica?

 

 

 

 

 

 

O mar e a competitividade nacional

 

 

A competitividade nacional que atingiu valores elevados no século XV iniciou ainda no século XVI a sua degradação atingindo no século XIX e no início do século XX  o seu nível mais baixo.

 

A explicação clássica para esta baixa competitividade sempre foi atribuída ao fraco nível das elites portuguesas mais especificamente à baixa educação científica, à pouca capacidade de inovação e de empreendimento, ao desenfreado espírito centralizador, ao imediatismo e à falta de dimensão mental que lhes fez desperdiçar durante todos estes séculos as fabulosas riquezas herdadas das iniciativas de D. João II e dos seus antecessores.

 

E sempre se queixando de sermos pobres e pequenos e apontando outros como culpados das nossas desgraças.

E agora?

 

Utilizando as informações contidas no World Competitiveness Yearbook , Portugal  ocupava em 1999 o  28º lugar entre 47 países considerados neste estudo.

Observando a lista e começando pelos melhor classificados devemos realçar o facto de nos primeiros 11 haver 3 de grande porte em população e/ou potencialidades naturais - EUA, Alemanha e Canadá – e todos os outros serem países pequenos com quem podemos e devemos comparar-nos.

 

São eles, por ordem decrescente: Singapura, Finlândia, Luxemburgo, Holanda, Suíça, Hong Kong, Dinamarca, Irlanda.

Porque estão eles tão bem classificados e nós tão baixos?

 

Para um país a receita para ter sucesso é a mesma que para uma pessoa: não basta fazer bastantes coisas certas mas também é essencial não cometer alguns erros fatais, principalmente a nível das estruturas sociais ou seja do comportamento global das suas populações.

 

Uma elite é o conjunto de pessoas que numa sociedade tem a possibilidade de influenciar os restantes membros dessa sociedade. Para ter tal poder têm que estar posicionados em lugares de relêvo como seja no Governo e nos outros órgãos de soberania, nas Forças Armadas, nas hierarquias religiosas, nos meios de comunicação social, nas universidades e outras instituições ligadas à produção e ensino do conhecimento, nos meios do poder económico, nas actividades desportivas, artísticas e de entretenimento.

 

A sua influência processa-se preferencialmente pelos exemplos por ela dados e  pelos enquadramentos que cria e que gere.

 

Antes de ir mais além convém fazer algumas observações:

1ª observação: ter a possibilidade não significa fazê-lo, e fazê-lo não significa que essa

influência seja benéfica pois pode ser perniciosa

.

2ª observação: numa sociedade convivem diferentes elites, pois estas estruturam-se de acordo com  os meios especializados a que correspondem : científicas, intelectuais, políticas, religiosas, desportivas etc, por vezes interpenetrando-se os seus espaços.

 

Uma elite dominante do ponto de vista de poder actuante pode não incluir algumas das elites parciais o que se traduz natural e fatalmente na sua qualidade e portanto na qualidade da influência no comportamento da população.

 

Como acontece sempre que o poder instalado não é eficiente a resolver os problemas essenciais do país como é a sua sobrevivência e a sua identidade e assim a população se aliena da vida política, como  se verifica quando a abstenção é muito elevada em eleições para os Órgãos de Soberania.

 

Falar sobre elites e sua influência nas populações obriga a lembrar uma falácia que interessa evitar: nas democracias em que as elites dominantes são fracas há a tendência para se aceitar a vontade popular como certa o que conduz normalmente a concessões perigosas como o abaixamento do nível do ensino, a indisciplina generalizada, a proliferação de tolices como a ostentação tanto no consumo como nos diplomas, etc etc

 

Exemplo de elite forte: a elite burguesa que apoiou a casa da Avis e foi a base dos descobrimentos portugueses.

 

Exemplos de elites fracas: a elite chefiada pela casa de Bragança, a elite dominante da 1ª República, a elite salazarista, as elites pós 74.

Um excelente exemplo da enorme diferença de atitudes entre elites é a preocupação de garantir a máxima operacionalidade na Constituição dos EU e a sua ausência na nossa .

 

Assim chegámos a 1974.

 

Com uma marinha mercante em crescimento, com interesses muito mal aproveitados em África em vias de se perderem, com grandes dificuldades de relacionamento internacional, com uma guerra em curso, com o poder muito centralizado, com liberdade reduzida, etc ….. porque após os primeiros anos da república não nos conseguimos libertar daqueles defeitos estruturais que vinham acompanhando e orientando as elites dominantes desde D. Manuel I, e se transferiram de armas  e bagagens para as novas elites que tanto tinham criticado a dinastia de Bragança, mas logo adoptaram o mesmo estilo de comportamento governativo, incluindo nele também a mesquinhez e o tratamento preferencial dos seus interesses pessoais, fossem eles materiais ou outros.

 

Os resultados de tal actuação foi a criação de condições propícias ao aparecimento de um regime autoritário que, como é normal em tais casos, originou elites dominantes de fraco nível operacional, já que a motivação mais produtiva não era a eficiência mas a obediência, que assim continuaram a não saber aproveitar as imensas riquezas que ainda tínhamos nos nossos territórios, incluindo o europeu, empurrando desastradamente muitos portugueses válidos para outros países e continuando a perder oportunidades de desenvolvimento.

 

Em Abril de 74 houve uma revolução, que, como a maioria das anteriores, se caracterizou por ter sido mais perdida por quem estava no poder do que ganha por quem se revoltou, com todas as consequências normais, boas umas outras más, resultantes desse facto.

 

De qualquer forma acabaram-se então as desculpas pelo atraso do país ou pelo menos muitas daquelas que eram atribuídas ao regime político antes em vigor.

E na verdade a falta de liberdade em geral e  em particular de expressão que existia antes foi substituída por liberdade quase total, mas noutros capítulos, curiosamente, não se verificou a mesma evolução positiva.

 

Principalmente na economia onde continuou a verificar-se a manutenção do sistema anterior de centralismo e na Justiça onde o funcionamento de nível operacional extremamente baixo tem vindo a envenenar toda a vida social e económica portuguesa.

 

E a Educação também não apresentou grandes melhorias tendo em conta a destruição do ensino técnico em vez de o melhorar e a proliferação de escolas superiores mais para produzir diplomas para uso social que competências úteis para desenvolver o país.

Já para não falar do funcionamento de quase todo o aparelho estatal recheado de vícios entre os quais um dos mais graves é o de desvios sistemáticos de finalidade misturados com megalomanias perniciosas e a continuada ausência de quaisquer estímulos motivantes de maior produtividade dos funcionários públicos.

 

Desvios esses como sejam, por exemplo, planos de urbanização e habitações feitas para dar que fazer a empreiteiros em vez de servir as populações, livros escolares para dar que fazer aos editores em vez de servirem da melhor forma os estudantes, comboios para dar que fazer à CP e aos seus fornecedores em vez de resolverem os problemas  de transporte dos cidadãos, exigências notariais para dar que fazer aos notários e não para servir os cidadãos de forma mais simples e eficaz como se faz noutros países mais competitivos, sistemas de funcionamento das farmácias que favorecem os farmacêuticos à custa dos utentes,…etc etc , megalomanias como por exemplo o Centro C. de Belém, a Gare do Oriente, algumas estações do Metropolitano de Lisboa, tolices como a  Tolerância Zero, excesso de governantes quer do Gov. Central quer das autarquias ( existem mais de 300 municípios , quando não deveria haver mais de poucas dezenas)  que proliferam demagogicamente à custa dos contribuintes sem dar a estes a qualidade de serviço essencial para uma alta competitividade global.

 

Os custos fundamentais que a população portuguesa tem que suportar com a habitação, os transportes, a educação e o baixo nível do suporte a prestar pelo Estado que se tem revelado como um dos principais prevaricadores das boas práticas de gestão de pessoal,  impossibilitam à partida atingir níveis elevados de competitividade global.

 

A primeira década após a revolução de 74 foi naturalmente confusa, havendo a realçar pelo lado positivo o trabalho realizado pelo Ministro das Finanças Dr. Ernani Lopes, que lançou as bases que permitiriam o passo seguinte e pelo lado negativo a forma como foi realizada a descolonização quase totalmente ao sabor dos interesses de potências estrangeiras e a mal chamada nacionalização de empresas nacionais porque as estrangeiras ficaram à vontade para crescer como quiseram.

 

A segunda década correspondeu ao governo do Prof. Cavaco Silva verificando-se algumas melhorias sensíveis no rigor da governação, no aumento da construção e das estradas, na reestruturação financeira, na independência da comunicação social, na inflação baixa, no desenvolvimento do ensino, na captação de subsídios europeus.

 

Mas também se verificaram alguns erros importantes como o aumento do consumismo, a megalomania, a má utilização dos subsídios, a capitalização de empresas públicas (electricidade, águas, telefones ) à custa dos consumidores para se transformarem em privatizações rendosas, mas passarem para as mãos de proprietários estrangeiros quando deveriam quase todas serem preferencialmente de portugueses, pois a sua importância deriva essencialmente dos mercados e não das tecnologias usadas.

 

E ainda a destruição da marinha mercante, aumento excessivo do peso do transporte rodoviário com deficiente tratamento do fluvial, marítimo e ferroviário e ordenamento territorial quase inexistente o que não permitiu tirar partido das vantagens destes meios de transporte.

 A primeira metade desta década foi bastante melhor que a segunda pois uma vez mais os “barões” no poder, típicos da vida política portuguesa, canalizaram a sua influência para os seus interesses pessoais e o Prof. Cavaco Silva foi empurrado para fora sem que tivesse podido por em prática o que o País mais precisava: uma verdadeira reestruturação a nível comportamental que passava por diminuir o peso do Estado, motivar de facto quem produz, eliminar os focos de parasitismo atrás enunciados, enfim aumentar de facto a competitividade nacional.

 

A terceira década, estamos agora a meio dela, está a caracterizar-se pela continuidade das políticas anteriores, naturalmente tendo mudado muitos dos barões dominantes, com pequenas variações superficiais de políticas e sem as mudanças estruturais essenciais e indispensáveis para subir o nível da nossa competitividade.

A tolerância zero é um exemplo claro duma tolice monumental que daria direito a farta troça e chacota se não fosse catastrófica para a disciplina do país, pois na verdade equivale ao Governo dizer solenemente aos quatro ventos que a lei existente não é para cumprir excepto em alguns lugares e em certos momentos.

Naturalmente como consequência de fraquezas e tolices deste tipo os portugueses comportam-se em conformidade: deitam tudo quanto calha para as bermas das estradas, para a praias ou campos que frequentam, cospem no chão, escrevem nas paredes, etc etc, estacionam onde calha a começar por muitos governantes e seus colaboradores que deixam os seus carros ostensivamente em cima de passeios e outros locais proibidos ao estacionamento e têm das mais altas taxas de desastres nas suas ruas e estradas.

 

E continuam a perder qualidades de trabalho e de produção sendo mais premiado quem não  produz que quem mais o faz.

 

O excelente estudo em curso denominado Engenharia e Tecnologia 2000 mostra com grande objectividade muito do que atrás foi dito e reflecte o estado actual da nação quando põe de lado a quase totalidade das actividades marítimas que deviam e podiam ser exploradas pelos portugueses.

E o  Mar?

Ou melhor as actividades marítimas, para que de uma vez por todas se deixe de fazer as confusões do costume de falar do Mar com palavras lindas e eloquentes e esquecer sistematicamente as actividades que nele se baseiam.

De tal forma é esta confusão que neste último governo a Marinha Mercante está inserida numa secretaria de estado de administração portuária quando esta só trata de marinha numa pequena percentagem da sua actividade naturalmente atraída pelas suas actividades nucleares como são as ligações com o hinterland e os outros meios de transporte, e a marinha deveria desenvolver-se como actividade global que dadas as nossas dimensões, tal como acontece com outros países semelhantes apenas em dimensão, quase nem frequentaria os nossos portos.

 

Com efeito a competitividade nacional sempre esteve ligada às nossas actividades marítimas.

 

Subiu quando elas se desenvolveram e foi diminuindo quando elas foram perdendo força.

É certo que todas as actividades têm que ser exercidas por alguém e se se estrutura a sociedade para que aqueles que têm capacidades empreendedoras, como as que são exigidas àquelas actividades, não possam viver e desenvolver-se num país, então não se pode esperar que esse país se desenvolva de forma competitiva.

 

Pois uma sociedade assim estrangulada terá tendência a produzir elites acomodadas e para que não sejam incomodadas quando se instalam no sistema não permitem quaisquer hipóteses de liberdade económica que conduza à possibilidade de sucesso que seja fruto de luta competitiva, isto é, de que ganhe o melhor e não o que pertence ao sistema instalado.

 

O panorama actual não é famoso. As primeiras páginas dos jornais, os telejornais , as palavras de muitos responsáveis a começar no Presidente da República não escondem os enormes problemas internos que Portugal tem quanto à sua baixa competitividade.

Só que muito raramente se vê serem abordadas as causas profundas desta situação.

 

Quando, e principalmente como, será possível mudar o rumo que Portugal vem praticando a caminho da perda da sua identidade e das suas qualidades de trabalho, se as actuais elites dominantes continuam a dar provas de não entenderem a importância da sua acção enquadrante das estruturas sociais que são a essência das qualidades de um povo?

 



publicado por JoseViana às 16:21
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Um plano integrado de transportes: agora ou nunca?

Na verdade alguma vez tivemos em Portugal um plano integrado de transportes?

E o que deve ser um plano assim denominado?

 

Deverá certamente incluir todos os meios de transporte ao nosso dispor: rodoviários, ferroviários, marítimos e fluviais, aéreos e, porque não, o mais natural que é andar a pé, e permitir a movimentação de pessoas e bens dentro do nosso território e nas ligações com o resto do mundo.

 

 Tendo sempre presente que o custo e a qualidade do transporte é determinante para a competitividade quer dos trabalhadores e dos serviços aos turistas quer dos bens que exportamos e que consumimos.

 

Mas ainda falta mais uma condição essencial para e eficiência de um sistema integrado de transportes que é a coordenação entre estes e o ordenamento do território de forma a diminuir os custos de investimento e de operação, permitindo efetuar, não só as ligações já existentes da forma correta, mas também contribuir para reduzir ou até anular muitas das disparidades verificadas entre as regiões do País quanto a desenvolvimento e rendimentos.

 

Ora olhando para o nosso passado antigo e recente, desde o ponto de vista de transportes, verificamos a existência de um espetáculo a nível quase deplorável, a saber:

-destruição do transporte fluvial (iniciada no século XIX)

-destruição da marinha Mercante ou de Comércio (finalizada entre 1985 e 1995)

-destruição parcial das pescas

-a forma como foram construídos os “Metros” de Lisboa, Porto, etc

-a tolice que foi o projeto TGV, com percursos pela Ota e pelo vale do Trancão, etc., e travessias do Tejo disparatadas e não realizar linhas em bitola europeia para nos ligar a Espanha principalmente para mercadorias.

-nunca se terem realizado os PDMs prevendo as movimentações das pessoas e dos bens se forma a se estabelecerem previamente as linhas de ligação preferencial em transportes públicos eficientes, porque dá a ideia de que a orientação básica destes planos tem sido fomentar o lucro rápido da especulação imobiliária.

-atraso no desenvolvimento do turismo quer no valor do produto a oferecer quer na sua capacidade exportadora.

-terem sido construídos muitos km de estradas inúteis ou pelos menos excessivamente caras bem como milhares de habitações sem mercado e por preços excessivos como se constata agora com as dificuldades no seu pagamento.

 

E embora seja duro em plena crise, em que muitos portugueses sofrem as consequências das enormes dificuldades financeira e económicas atuais, apontar estes factos negativos, isto tem que ser feito porque só conseguimos corrigir os erros de que tomamos consciência e portanto, se temos que começar já a adotar medidas para minimizar os efeito destas dificuldades, também é igualmente essencial não continuarmos a repetir as tolices e os desmandos que foram a origem mais ou menos remota ou recente da situação atual.

 

E convém ter presente a afirmação de que uma consciência tranquila é quase sempre o resultado de uma memória fraca.

Mas haja esperança de que melhores dias virão, pois uma vez mais há auxílio a vir de fora, como é tradição na nossa História, uma vez que só com a prata da casa, estávamos a caminho da ruína certa.

 

É claro que tendo em conta o enorme emaranhado de interesses criados em toda a vida económica, corporativa e política a mudança, que se deseja, vai ser difícil e demorada

.

E entre todos os meios de transporte, aliás todos necessitando profundos melhoramentos, há um que merece uma palavra especial pois foi o mais influente na nossa evolução histórica e tem sido nos últimos trinta anos o mais desprezado do ponto de vista de realizações concretas e positivas, e não das declarações e outras manifestações palavrosas que embora interessantes só originam despesas e não criam riqueza que tanta falta nos faz.

 

Trata-se do transporte marítimo em particular e das atividades marítimas em geral, ou seja da Marinha Portuguesa  considerando esta como o  conjunto constituído pela Armada, pela Marinha Mercante ou de Comércio, pelas Pescas, pela Marinha de Recreio e pelas atividades a elas ligadas que ultimamente os recem-chegados a esta ribalta chamam de “cluster”, mas que na verdade já existia em Portugal há séculos.

 

Dada o carácter resumido deste texto apenas focaremos dois aspetos essenciais da Marinha:

 

A Marinha Mercante é determinante para a definição deste País ser central ou periférico conforme a tem ou não a tem, pois tal qualificação não é simplesmente geográfica mas na verdade depende das atividades dominantes que nele se processam: quando tivemos uma Marinha poderosa fomos um país centrado no mundo, quando a desprezámos, como aconteceu nestas últimas décadas, ficámos a ser um país periférico.

 

A Marinha de Recreio é tão essencial para melhorar a eficiência do nosso Turismo como é para desenvolver o interesse da população pelas atividades marítimas, pois sem uma população empenhada nelas, nunca poderemos aproveitar e defender as enormes riquezas à nossa disposição e evitar que aconteça o mesmo que aconteceu com o famigerado mapa cor de rosa, como tive ocasião de focar na Academia de Marinha em 1984, diga-se de passagem sem qualquer resultado prático, pois ninguém prestou atenção a esta situação.

 

E continuamos a ver, com enorme preocupação, os responsáveis pela nossa segurança a não darem a importância devida quer à Marinha quer à participação ativa da população nas atividades marítimas essenciais.

 

Lisboa, 23 de Setembro de 2011

 

Publicado na Revista de Marinha em Novembro/Dezembro de 2011



publicado por JoseViana às 13:16
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Terça-feira, 29 de Novembro de 2011
O “cluster” do Mar de 1974 a 2008 -evolução e potencialidades actuais-

 

RESUMO

 

1º- A origem do “cluster”, não desta palavra que é de invenção recente, vem do século XIII e conservou-se com adaptações óbvias até 1974 e coincidia com o então Ministério da Marinha. E o que é de facto este “cluster”do Mar?

Convém recordar que a história deste “cluster” é a história de Portugal pois o que de mais importante houve realizado pelos Portugueses foram os descobrimentos marítimos e os altos e baixos da nossa Marinha foram os mesmos do País. Sem actividade marítima Portugal é um país periférico da Europa; com Marinha era um país central do Atlântico e do Mundo.

2º- Em Julho de 1974 é desmembrado e assim fica até agora o que será tratado resumidamente.

3º- Serão analisadas sumariamente as causas que levaram à situação actual.

4º- Análise das potencialidades actuais dos principais componentes. As soluções globais e as soluções parciais: prós e contras. Mas que haja soluções.

5º- Análise das potencialidades do “cluster” do Mar no enquadramento nacional actual e das consequências de se conseguir ou não torná-lo operacional.

 

Lisboa, 29 de Setembro de 2008

 

 

O nascimento de Portugal como país foi fruto da vontade de crescimento de uma população em expansão que encontrou um território, na verdade um único território para a realizar, pois não teve outra alternativa nesse momento, ocupado por uma variedade de populações das quais só algumas, poucas, tinham tradições marítimas.

 

Mas para consumar a ocupação desse território imediatamente o nosso primeiro Rei se apercebeu da importância da navegação ao longo da costa até para poder aproveitar a ajuda dos cruzados que por ela passavam a caminho do Médio Oriente.

Assim no final do primeiro acto de expansão a fronteira sul era uma linha que ia da entrada do rio Douro em Portugal até Lisboa, cidade que logo se transformou na base de todo o nosso desenvolvimento e da nossa futura aventura marítima, dadas as condições excepcionais do estuário do Tejo para as actividades marítimas.

 

Além disto tínhamos um vizinho forte e ambicioso, aliás vários mas que foram rapidamente dominados por Castela, o que significava em termos práticos que a nossa evolução tinha que se processar para sul e para ocidente, ou seja para o Mar.

Passado pouco mais de um século D.Dinis, já com o país configurado do ponto de vista de fronteiras terrestres e com a organização desenvolvida por seu Pai, iniciou a organização da nossa Marinha, certamente não lhe tendo chamado cluster ou hipercluster por que não conhecia o Micael Porter nem lhe teria passado pela cabeça de chefe prático e eficiente que fosse preciso tais nomes para se fazer o que era preciso.

Ao contrário de agora em que passamos o tempo todo a fazer reuniões, a nomear comissões, a redigir livros das mais variadas cores, a organizar festas e exposições, festivais gastronómicos muito marítimos, a arranjar a orla marítima de preferência com muitos restaurantes mas poucas embarcações, tudo isto em nome do Mar.

 

É curioso, tanto quanto preocupante a comparação com a situação actual, que em dez anos D. João II conseguiu que se explorasse o Oceano Atlântico quase todo de forma que foi possível, depois de Bartolomeu Dias ter descoberto o caminho para a Índia, empurrar os Espanhóis para a América central com a colaboração de Cristóvão Colombo, assinar o tratado de Tordesilhas que nos assegurou não só aquele caminho mas também o território do Brasil, e mudar os nossos navios de caravelas para naus que chegaram ao seu destino oriental e tomaram conta deste.

E tudo isto sem escrever qualquer documento o que originou a situação paradoxal de vários historiadores portugueses agora porem em dúvida a autenticidade de alguns destes factos.

 

Entretanto nós, nestes trinta e poucos anos que fazem parte do meio século em que mais e mais profundas mudanças ocorreram na História da Humanidade estivemos entretidos em destruir parte do que herdámos, como foi o caso da Marinha, em baixar o nosso rendimento real com políticas imediatistas e eleitoralistas, em discutir um aumento de meia dúzia de euros do ordenado mínimo etc., etc., e em falar e escrever muito, mas fazer no que respeita a Mar e a Marinha… nada, ou quase nada.

 

Voltando a D. Dinis, para haver Marinha era preciso em primeiro lugar ter pessoas com capacidades específicas e como não as havia por cá foi buscar ao estrangeiro quem fosse capaz de o fazer.

Também eram precisos navios e portanto criou estaleiros e outras infra-estruturas e assim se iniciou o tal cluster.

De início a navegação era basicamente costeira mas quando a burguesia de Lisboa e Porto conseguiu pôr no trono D. João I rapidamente a necessidade de expansão apontou para o Mar e por isso se desenvolveram as técnicas de navegação, de combate naval, de construção naval para se poder enfrentar o mar alto e os inimigos, e assim se começou a chamada epopeia dos descobrimentos, de forma sustentada e progressiva, alargando o conhecimento dos ventos e das correntes do Atlântico que permitiu ir navegando cada vez mais longe e dominando assim as rotas mais importantes dessa época.

 

Quando ainda muita gente pela Europa fora aceitava a cartografia de Ptolomeu já os portugueses lhe conheciam os erros e a carta dita de Cantino, além de muitas outras, mostra bem o avanço dos nossos cartógrafos.

Mas além disto iniciámos a actividade comercial global o que completou o cluster da Marinha que, algumas dezenas de anos depois, começou a ser destroçado pela expulsão dos judeus, que como se sabe eram os seus principais componentes principalmente nos aspectos comerciais e científicos o que provocou a transferência destas competências particularmente para a Holanda e assim se desfez o predomínio do anterior império português.

 

Portugal tornou-se, pela sua actividade marítima global, um país central conforme se pode apreciar quando se observa um planisfério com o Atlântico em primeiro plano, ao contrário do que sucede agora que, por não ter Marinha, passou a ser um estado periférico da Europa continental.

Apesar das dificuldades acima indicadas, provocadas pelos erros cometidos pelas elites dominantes, a Marinha portuguesa continuou a ter importância e durante as guerras napoleónicas ainda tínhamos navios de elevada qualidade mas a deslocação da corte para o Brasil que levou grande parte da nossa frota que não voltou mais e logo a seguir a incapacidade nacional de acompanhar a revolução industrial e a evolução subsequente da construção de madeira para a de aço, deixou-nos a Marinha em péssimas condições.

 

Os Reis D. Luís e D. Carlos ainda tentaram desenvolver actividades científicas marítimas mas não tiveram acompanhamento da sociedade civil que se mostrou totalmente incapaz de sustentar o cluster da Marinha.

Só mais tarde após o despacho 100 de 1945 pelo Ministro da Marinha Cte Américo Tomás se iniciou a sua ressurreição, e em que o Grupo CUF teve papel preponderante, de tal forma que em 1974 tínhamos perto de 250 navios na marinha mercante e se desenvolveram vários estaleiros de importância internacional.

 

Nessa altura ainda a marinha de recreio a nível mundial não tinha a expressão que tem agora mas a diferença da nossa não era da dimensão que tem hoje.

 

Até então o cluster do Mar, isto é, da Marinha estava praticamente coordenado pelo Ministério da Marinha, portanto pela Armada o que depois de 1974 foi considerado politicamente incorrecto pois não era corrente tal prática tanto na Europa como na América, o que foi ainda agravado pelo preconceito que se formou resultante da confusa estrutura político-partidária que surgiu com a queda da ditadura e com as guerras coloniais dos últimos anos.

 

A Marinha Portuguesa era, como não podia deixar de ser, a base do antigo império colonial do qual naturalmente havia várias críticas e razões de queixa legítimas mas também tinha dado muitas oportunidades para termos orgulho por muitas obras aí realizadas.

Esse preconceito chegou ao ponto de a prática de desportos náuticos ser considerada fascista o que somado ao miserabilismo de alguns dos chefes revolucionários que defendiam como lema essencial acabar com os ricos, enquanto outros países se esforçavam por acabar com os pobres, levou à estagnação da Marinha de recreio e ao desprezo pelas actividades marítimas.

 

Entretanto como consequência do desenvolvimento desta cultura anti-marinha, da desorganização do enquadramento legal e jurídico destas actividades e ainda das dificuldades causadas por exigências sindicais irrealistas e pelo enquadramento estatal pouco propício a níveis elevados de competitividade ao que se somou a cultura imediatista desenvolvida na vida política nacional, levou ao desinteresse dos capitais privados pelos investimentos nestas áreas.

Nas duas últimas décadas as orientações políticas foram decididamente contrárias ao desenvolvimento da Marinha como aconteceu, por exemplo, com a perda de posições já adquiridas em Macau e com as dificuldades postas à criação de uma empresa de cruzeiros.

Mas não se pense que só houve erros por parte dos políticos.

 

Quando o desenvolvimento dos aviões a jacto veio liquidar a validade dos paquetes de passageiros de longo curso muitos armadores de outros países foram transformando-os em navios de cruzeiros enquanto entre nós apenas o Funchal o foi, aliás com sucesso mas porque o Presidente da República Alm.te Américo Tomás se opôs à sua venda o que permitiu a sua transformação e aproveitamento.

Os outros armadores nacionais possuidores de navios de passageiros não se mostraram capazes de darem o passo inovador que então se impunha e nessa altura não havia ainda as condições adversas que acima se descreveram características do período pós revolucionário dos anos 70 e 80.

 

A propósito de termos referido as dificuldades quanto à competitividade convém recordar, muito resumidamente é claro, que esta depende das condições para os empresários como seja facilidades para investir, facilidades burocráticas para a operacionalidade, funcionamento eficaz da justiça, tratamento correcto do ponto de vista de impostos, tratamento correcto da previdência social específica destas actividades, etc,etc e das condições para os trabalhadores que são sobrecarregados com custos de habitação e mobilidade elevados, bem como os custos da água, da energia, e outros que afectam principalmente as profissões de menores rendimentos mas que condicionam a competitividade das empresas.

Aliás como já está definido em directriz europeia que os nossos actuais responsáveis por este sector continuam a ignorar.

 

A quem quiser aprofundar este tema sugiro a leitura da entrevista ao Dr. João Prates Bebiano publicada na revista Cargo de Setembro de 2008.

Quanto ao cluster do Mar ou da Marinha vou recorrer a parte do texto de uma comunicação por mim apresentada na Academia de Marinha em 1985 por duas razões:1ª para mostrar que esta questão não só é muita antiga mas também tem sido quase totalmente desprezada pelos media, pelos políticos e pelos empresários e 2ª ainda para mostrar que nestes vinte e três anos que entretanto passaram não houve alterações relevantes na constituição do cluster do Mar, além das novas tecnologias que afectaram tudo, que justifiquem poder agora dizer-se que estamos perante uma realidade nova, que, aliás, já tinha então quase setecentos anos de vida.

 

Devo esclarecer que hoje muito provavelmente faria uma lista um pouco diferente porque em vinte e três anos houve algumas alterações provenientes do progresso tecnológico e científico mas na verdade em nada alterando a essência do significado da forma de aglomeração destas actividades ligadas ao Mar e portanto à Marinha.

Por isto mesmo não vou gastar o vosso tempo e passarei rapidamente sobre esta parte para chamar a vossa atenção para o que considero mais importante neste momento: o que fazer agora, isto é, já para podermos contribuir eficientemente para tirar o País da situação difícil em que estamos actualmente.

 

“Passando agora ao futuro e tendo em mente a mesma atitude dos bons velhos tempos vamos começar por examinar as actividades que permitam tirar directa ou indirectamente proveito do mar:

             -transportes marítimos

                         ..construção naval

                           reparação naval

                           portos

                           entrepostos comerciais

                           zonas francas industriais

             -pesca

                        ..construção naval

                          reparação naval

                          redes

                          aparelhos diversos de pesca

                          equipamentos de detecção

                          tratamento e conservação de pescado a bordo

             -aquacultura

                        ..a nível total, i.e, incluindo desde a procriação até à preparação para                            

                          o consumo

                          a nível parcial, i.e. só a fase final

                          em zonas restritas artificiais

                          em zonas restritas naturais

                          sem restrição de zona

          

               -minerais

                        da superfície dos fundos marinhos- exº manganês

                        abaixo dos fundos- exº petróleo

                        da água-exº sal

               -turismo náutico

                        marinha de recreio como actividade turística pois também o é            educativa e social

                        ilhas artificiais

                        pesca desportiva

               -energia        

                        produção de energia por via física

                        produção de energia por via biológica

                        aproveitamento directo da energia eólica

               -educação

Para que estas actividades possam ser realizadas é preciso como já vimos conjugar as tecnologias essenciais com a gestão eficiente dos empreendimentos mas pondo esta agora de lado vamos ocupar-nos das primeiras.

 

Quando se fala de construção naval, por exemplo, há que distinguir os problemas e portanto as respectivas soluções dos transportes, da pesca, da marinha de recreio, da marinha de guerra, da exploração submarina, etc., etc., incluídas nas tecnologias específicas relativas a cada actividade dos que lhes são comuns e são tratados com toda a generalidade.

 

Assim, continuando com o exemplo da construção naval devemos considerar como essenciais as tecnologias seguintes:

               -materiais: metálicos

                                 plásticos

                                 elásticos

                                 fibrosos

                                 vítreos e outros

               -incluindo a sua utilização, transformação e produção (por esta ordem)

                       informática

                       hidrodinâmica- cascos e hélices

                       aerodinâmica – velaria

                       termodinâmica- motores, turbinas

                       mecânica- transmissões, redutores

                       sistemas hidráulicos 

                       electrónica

                       telecomunicações

                       sistemas de transporte e manipulação de materiais

                       ar condicionado

                       sistemas de captura de pescado

                       sistemas de detecção de pescado

                       sistemas de tratamento e conservação de pescado

Já estamos a detectar nesta lista uma mistura de tecnologias de graus científicos e de graus de utilização diferentes e com aplicações mais ou menos sobrepostas a várias actividades.

 

Para melhor se sistematizar esta exposição seria fundamental a elaboração de uma matriz enquadrando as actividades do ponto de vista aproveitamento económico e as várias tecnologias devidamente individualizadas se possível segundo um critério prático propício ao seu desenvolvimento coordenado.

 

Quando digo graus científicos e graus de utilização directa quero referir-me a uma escala hipotética representada graficamente por um segmento de recta em que a extremidade esquerda representaria o máximo de «pureza» do trabalho de investigação científica, significando como tal a sua proximidade da ciência pura sem a preocupação de aplicação prática e imediata e em que a extremidade direita representaria a simples utilização pelo utilizador genérico por vezes até desconhecedor dos fundamentos científicos do que está a usar.

É o que acontece com milhentos utensílios e equipamentos desde electrodomésticos a calculadoras e de automóveis a brinquedos.

 

Para seguirmos os mesmos princípios que orientaram os responsáveis por este País quando se obteve o sucesso de que tanto é costume envaidecermo-nos, teremos que analisar exaustivamente esta complexa matéria tendo em conta que os estudos e trabalhos de investigação quanto mais próximos do extremo prático mais rapidamente se tornam rentáveis, menor é o investimento mas maior a dependência de terceiros para se lhes dar início e quanto mais perto se estiver do máximo de pureza científica maior será o investimento, maior o prazo até se conseguir o retorno respectivo mas também maior será a independência no trabalho e na decisão.

 

Para cada caso ou grupo de casos aquela análise deverá permitir decidir por que grau começar, pesando nesta decisão o conhecimento das nossas possibilidades actuais e as potencialidades de desenvolvimento previsíveis. No fundo, actos de gestão: analisar, compreender, planear, executar, como foi realizado há alguns séculos com menos teoria e mais sucesso.

 

Estamos neste momento em situação mais desvantajosa mas que isto não sirva de desculpa à nossa geração se um dia as seguintes nos classificarem como nós, em abono da verdade, temos que fazer quanto a algumas nossas antecessoras menos antigas que as da primeira dinastia e início da segunda.

 

Para elaborar um primeiro esboço da referida matriz tentei basear-me na classificação por domínios adoptada no Anuário da Ciência e Tecnologia da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnologia, mas embora me tenha ajudado tive que adoptar uma listagem diferente.

 

Não posso deixar de precisar em que consiste a desvantagem da situação actual em relação aos séculos XII a XV: nessa época possuímos tecnologia a par, ou mais avançada, em tudo o que se relacionasse com o mar, (e outras) dos povos mais adiantados, agora a lista atrás indicada só corresponde a uma pequena parte das tecnologias existentes e na maioria dos casos estamos ainda na fase da leitura.

 

E aqui está desafio: vamos ficar assim dependendo do que o estrangeiro nos ofereça correndo o risco de perdermos a nossa própria identidade depois de sermos despojados do mar que temos ao nosso dispor e não termos sabido aproveitar tal qual novo mapa cor de rosa ou vamos proceder como aconteceu com os nossos antepassados de cuja herança ainda hoje aproveitamos os restos.

 

Da parte que me cabe só aceito a segunda e assim espero vir a merecer a honra que me foi concedida ao ser eleito membro desta Academia.

 

 

                                                       Transportes marítimos

                                                                  Pesca

                                                                            Aquacultura

                                                                                       Minerais

                                                                                                  Turismo

 

Materiais-Prod. e transf.                

       Metálicos                                  o        o                   o        

       Plásticos                                   o         o                   o

       Fibrosos                                    o         o                   o

      Sinterizados                                                               o

      Vítreos                                                                       o

Informática                                      o         o         o        o          o

Hidrodinâmica                                 o        o

Aerodinâmica                                  o        o

Mecânica                                         o        o                    o

Hidráulica mar.                                o        o          o                    o

Hidráulica sistemas                          o        o                    o

Electrónica                                       o        o          o        o          o

Electricidade-forçamotriz                o        o          o        o          o

Telecomunicações                           o        o          o        o          o

Robótica                                                                o        o

Transp. e manip. Materiais              o                    o        o

Telecomandos                                 o         o                    o

Ultra-sons                                                   o                    o

Resistência de materiais                  o         o                    o    

Análise química                                                     o         o

Energia                                            o         o                     o

Biologia mar.                                             o          o

Eng. Genética                                                        o

Hidrologia e oceanografia                         o          o          o

Matemática aplicada                                 o          o          o  

Eng. Alimentar                                          o          o

Geologia                                                                            o

Psicologia apl.                                  o       o                      o

Fisiologia apl.                                                                    o

“fim de citação”

 

Como se pode avaliar rapidamente, as áreas tecnológicas abrangidas são inúmeras e com graus diferentes de aprofundamento mas todas, ou talvez mais sensatamente quase todas, dentro das nossas possibilidades de desenvolvimento imediato pois não podemos perder de vista que um dos objectivos essenciais a atingir é o da criação de postos de trabalho sustentáveis, aliás como dever ser sempre o desenvolvimento de um país bem governado.

 

Assim teremos actividades como, por exemplo, os transportes marítimos como terceira bandeira que levam mais tempo a ganhar dimensão quanto a investimentos porque implicam o desenvolvimento de empresas de capitais elevados que só poderão existir após as mudanças de enquadramento necessárias mas que entretanto poderiam criar oportunidades de trabalho quase de imediato se desenvolvermos a Escola Náutica. No entanto convém recordar que em 1974 a frota mercante portuguesa que havia crescido baseada no nosso tráfego ultramarino já estava a crescer no mercado internacional e se tivéssemos progredido nessa direcção poderíamos ter aproveitado a nossa posição geográfica central para desenvolver a capacidade de “transhipment” e a criação de pontos logísticos internacionais com navios nacionais, sem esquecer o desenvolvimento correlativo da construção e da reparação naval.

 

Mas antes de ir mais além é preciso criar uma cultura de Mar, mas uma cultura activa e não meramente contemplativa e gastronómica e isso só se consegue com a formação náutica da juventude em particular e da possibilidade da actividade náutica por vasto número de praticantes.

Para o que, é essencial a existência de elevado número de postos de amarração e de acessos eficazes ao mar por pequenas embarcações que não precisam de estar sempre na água de forma a que a prática náutica não seja acessível apenas a quem seja rico como acontece com a maior parte das marinas. Portugal tem nos seus estuários e rias largas possibilidades para instalar pelo menos 30 a 40 000 postos de amarração deste tipo, além de algumas marinas mais ligadas a empreendimentos turísticos de gama alta.

 

Pensar-se apenas na náutica de recreio com objectivos turísticos é um erro grave porque só é possível ter o grau desejável de qualidade de serviços se houver um mercado alargado que inclua grande número de praticantes de todos os perfis.

Por outro lado a existência deste mercado alargado permite haver construção naval específica competitiva até podendo passar a ser exportadora como já somos em alguns casos, infelizmente ainda muito poucos.

 

As Pescas e a Aquacultura também têm potencialidades de crescimento mas as primeiras terão que ser reestruturadas pois os estudos e planos realizados em 1982 para preparar estas actividades para a futura entrada na CE ficou por fazer até hoje do que resultou o seu atraso e a baixa produtividade actual.

 

O aproveitamento dos fundos para obtenção de minerais e outros fins tem futuro com interesse mas implica grandes investimentos e demoras sensíveis nos respectivos retornos o que dada a debilidade da nossa estrutura empresarial significa que virá a ser praticada por empresas estrangeiras onde poderemos colocar técnicos portugueses se entretanto conseguirmos prepará-los convenientemente.

Quanto às questões energéticas a primeira forma de energia a aproveitar é o vento como propulsor directo e depois como base para a produção de electricidade como se faz em terra e com os problemas mais ou menos idênticos.

A produção de energia eléctrica pelas ondas e pelas marés na nossa costa será muito limitada e daí ficar como de importância secundária. Seria bastante mais útil investir-se em sistemas de protecção das costas.

Não vou gastar o vosso tempo com mais descrições de potencialidades que na verdade até há mas que no estado em que estamos não adianta.

Com efeito aquele texto que apresentei atrás foi escrito há 23 anos, como já disse, e não só nada adiantou como aliás logo a seguir até piorou quando a febre da rodovia quase apagou o transporte marítimo do mapa português.

Como disse Peter Drucker o que se pretende de uma Administração, seja de uma empresa ou de um País, é que não tome muitas decisões mas em vez disso tome poucas mas boas. E que assuma que tomar uma decisão efectiva só é verdade se a realizar em tempo útil.

 

É interessante recordar que por volta de 1960 os três grandes desígnios do Governo de então foram: fazer o Alqueva, o novo aeroporto de Lisboa e uma central nuclear. E a realidade bem a conhecemos.

 

Conclusões

Nestas últimas décadas fizeram-se planos e programas nos quais se gastaram verbas colossais mas as decisões, as tais poucas mas boas e realizadas, ainda estamos à espera delas.

 

Perspectivam-se grandes investimentos em transportes mas vemos com enorme preocupação serem tratados um a um sem os enquadrarem nos sistemas a que pertencem e sobre os quais nada se diz e pouco se sabe.

 

Começou-se a falar do Mar e não faltam entidades a organizar reuniões, almoços, congressos, estatutos e muitas coisas mais excepto ir para o Mar naturalmente usando embarcações, isto é, desenvolvendo uma Marinha que abranja todas as áreas que a devem constituir ou seja desde a segurança e a defesa até à investigação científica, passando por todo o universo das actividades marítimas.

 

E como vimos atrás são precisas apenas algumas, poucas mas boas decisões.

 

E principalmente que haja quem as tome.

 

 

IST- Encontro de Engenharia Naval

Setembro de 2008

      



publicado por JoseViana às 23:09
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Manifestações da Marinha Portuguesa na obra de Eça de Queirós

Para cumprir o que consta do título desta comunicação terei que começar por esclarecer, embora, fiquem descansados, de forma muito resumida, o que é de facto o Mar e a Marinha Portuguesa pois esta, nestas últimas décadas tem sofrido inúmeras dificuldades, que colocam a situação actual a nível idêntico ao que se verificava durante quase todo o século XIX.

 

E para iniciar esta pequena viagem virtual devemos esclarecer em que consiste o Mar a que me referirei, pois não é a enorme massa quase toda de água salgada que ocupa cerca de dois terços da superfície do nosso planeta, mas sim as actividades que ele propicia e tanta influência tiveram no nascimento e no desenvolvimento de Portugal.

 

Com efeito o nosso país não nasceu como os românticos do século XIX defendiam da herança dos antigos lusitanos mas de um conjunto de circunstâncias como diria Ortega y Gasset, pois não nasceu mas criou-se a partir de um núcleo de pessoas que queriam ser independentes e que tinham de vencer uma quantas forças adversas, como sejam a sul o poder dos mouros, a nascente e a norte os vários reinos ai em desenvolvimento e a poente o oceano atlântico.

 

 

As ordens de Cristo e de Santiago, os judeus constituintes da burguesia de Lisboa e do Porto, e os pescadores, foram a base que permitiu o desenvolvimento progressivo da Marinha Portuguesa que desde D.Dinis passou a funcionar da forma a que a moda inventada por Michael Porter denominou de cluster e que incluía as marinhas de guerra, de comércio e de pesca e além disto a construção naval, as técnicas de navegação e a cartografia e assim os Portugueses ganharam enorme avanço sobre os outros países europeus e realizaram os descobrimentos iniciando a globalização.

 

O interesse pelo mar passa então a ser de facto expresso pela força da Marinha, esta como conjunto das actividades que permitiam aproveitar todas as potencialidades do mar-oceano.

 

Assim a Marinha Portuguesa foi até início do século XX gerida pela Armada que acumulou, logicamente, a gestão das colónias.

A partir daí as colónias passaram a depender de um ministério específico e em 5 de Julho de 1974 acabou o tal cluster e a Armada ficou apenas com actividade militar e científica. Actualmente quase não temos marinha mercante, menos pesca do que já tivemos e marinha de recreio incipiente tendo como resultado disto um desaproveitamento do nosso mar e pior que isso uma população alheada da marinha como se pode apreciar pelo vazio do mar da Palha, do estuário do Sado, do Sotavento Algarvio, etc

 

O período em que Eça de Queirós viveu e que tão bem analisou e retratou ficou caracterizado, no que respeita à Marinha Portuguesa por dificuldades causadas pela herança das perturbações causadas, primeiro pela deslocação da frota nacional para o Brasil, fugindo das tropas de Napoleão, donde não mais regressou, depois pelas sucessivas invasões francesas, pela guerra civil e finalmente pela instabilidade política de que veio a resultar o regicídio e o fim da monarquia.

Tudo isto agravado pelo atraso da nossa indústria e das nossas elites dominantes em relação ao desenvolvimento dos países mais avançados da Europa que se pode cifrar entre 20 a 50 anos conforme as actividades que sejam consideradas.

 

 

Não admira pois que a Marinha tenha pouca contribuição em produzir personagens com interesse para serem tratadas por ele com grande desenvolvimento, porque deixou de ser o pilar essencial da vida nacional como tinha sido nos séculos XV e XVI.

 

E passo a citar uma passagem de “ O Conde de Abranhos”

“Portugal sabe bem que o ministério nacional durou dois anos e o que foi a administração do Conde de Abranhos nos negócios da Marinha e Ultramar.

Dois serviços que se completam e vivem um pelo outro – as Colónias e a Armada- constituem esse ministério, e, em ambos eles, Alípio Abranhos deixou os esplêndidos vestígios do seu génio administrativo. E notai que o conde não era, como vulgarmente se diz, um homem do ofício. Até à idade de vinte e um anos – em que nas férias do ponto, fez uma visita à praia pitoresca de Buarcos – nunca tinha visto o mar. E esse formidável elemento, que cobre as quatro quintas partes do globo – mundo de trevas e de mistério, juncado de destroços, asfixiador, hostil ao homem – deu-lhe uma impressão que, segundo ele me disse, com aquele vigor pitoresco da sua frase, lhe fizera eriçar todos os cabelos do corpo.

 

Sempre detestou o mar, e se alguma vez passou a estação calmosa em Cascais, foi unicamente em respeito aos deveres sociais da sua posição no País, ou para comprazer com D. Virgínia e depois com sua segunda mulher, a respeitável Condessa de Abranhos. Tal era esta repugnância, que o Conde de Abranhos nunca visitou a Inglaterra, porque, sendo esse grande país dos Pitts e dos Chaucers infelizmente uma ilha, não lhe era possível visitá-lo sem embarcar: e o horror do conde aos navios era invencível.

Era mesmo um sacrifício grave, quando as suas altas funções o forçavam a visitar algum navio de guerra. De resto, a mesma paisagem marítima – essa infinidade de água azul – causava-lhe, como ele dizia »um peso estúpido na cabeça», e é portanto mais para admirar que, com esta antipatia pelo mar e por tudo que dele vive ou nele trabalha, dirigisse as repartições da Marinha com tão grande brilho.” fim de citação.

 

E agora cito mais alguns excertos de “Uma campanha alegre”

 “As nossa colónias são originais neste sentido: que o único motivo por que são nossas colónias – é o não estarem situadas na Beira. Porque não nos dão rendimento algum: nós não lhes damos um palmo de melhoramento: é uma luta… de abstenção!

-Não, exclamam elas com o olhar voltado de revés para a Metrópole, não! Menos rendimento que este ano, que é nenhum, não és capaz de nos pilhar, malvada!

-Também, responde obliquamente a Metrópole, também, celeradas , em maior desprezo, não sois vós capazes de estar!

Santa cordialidade de relações! Às vezes a Metrópole remete-lhes um governador, agradecidas, as colónias mandam à mãe pátria – uma banana. É vendo esse grande movimento de interesses e de trocas que Lisboa exclama:

-Que riqueza a das nossas colónias! Positivamente, somos um povo de navegadores!

 

……..e depois de várias considerações sobre os Açores e as colónias de África que acabam como a seguir se apresenta passa a analisar a nossa Marinha :

Que o país despreza as colónias; que elas estão abandonadas a uma frouxa iniciativa particular, sem estímulo, sem protecção, sem tranquilidade; que a iniciativa é excelente mas só pode desenvolver-se num país bem policiado: que nas colónias não há garantias de segurança, nem tranquilidade, que não há melhoramentos, nem protecção ao comércio, nem exército, nem higiene, nem instrução; que tudo ali vive na desordem, na desorganização, no desleixo, e numa antiquíssima rotina: e que o único movimento que há é o do estrangeiro que as explora de facto – apesar de nós as possuirmos de direito.

Mas, meus senhores, antes de tudo, nós não temos marinha. Singular coisa! Nós só temos marinha pelo motivo de termos colónias - mas justamente as nossas colónias não prosperam porque não temos marinha! A nossa marinha, ausente dos mares, sulca profundamente o orçamento. Gasta 1 159 000$00!

Que realidade corresponde a esta fantasmagoria das cifras? Uns poucos de navios, velhos, decrépitos, defeituosos, quase inúteis, sem artilharia, sem condições de navegabilidade, com cordame podre, mastreação carunchosa, e história obscura. É uma marinha inválida. A D. João tem 50 anos; o breu cobre-lhe as cãs: o seu maior desejo seria ser barca de banhos.


Não vou ler-vos as quatro páginas seguintes porque não há tempo e são de tal modo bem analisadas e repassadas de ironia e de tudo aquilo que só Eça sabia escrever, que também me causam profunda amargura pelo nível cultural e político em que se encontrava a sociedade portuguesa dessa época, embora tivesse produzido um Eça, talvez porque Deus, condoído, o tivesse feito como consolação e como pregador do que havia a corrigir para voltarmos de facto ao mar e ao progresso.

 

Para terminar quero chamar a vossa atenção para o facto de Eça de Queirós ser ele próprio um testemunho do pouco interesse que Portugal tinha pela Marinha pois não só não tratou nas suas obras de personagens a ela ligadas mas ao escrever uma nota do mês para a Revista de Portugal sobre a morte do Rei D. Luís nela não dá qualquer indicação das suas actividades marítimas embora ele tenha dado, inclusive, grande apoio à formação da Sociedade de Geografia de Lisboa que, como se sabe teve papel essencial na luta pela soberania portuguesa no ultramar.

 

Isto não significa qualquer diminuição do seu valor como escritor e pensador, antes pelo contrário revela o seu posicionamento central na sociedade portuguesa da sua época com a consciência plena da situação existente, como se pode ver nas citações atrás apresentadas mas, obviamente sem possibilidade prática de concretizar um movimento regenerador da Marinha Portuguesa que só seria realizado em 1945 com o conhecido despacho 100 do então ministro da Marinha Cte Américo Tomás.

 

Apresentado no Colóquio dos Olivais na Escola Eça de Queirós em 18 deNovembro de 2010

 

 

 

 

 



publicado por JoseViana às 22:43
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Quarta-feira, 16 de Novembro de 2011
História de Portugal muito resumida

Portugal começou com um Conde vindo do norte da Europa para ajudar a realizar a reconquista da península, que casou com uma filha do rei de Leão e tomou conta do Condado Portucalense tendo nascido deste casamento D. Afonso Henriques, que mais tarde decidiu desenvolver o Condado para ser país independente, pelo que teve que se revoltar contra os partidários da dependência, naturalmente ligados a sua Mãe.

Conseguiu a independência em 1140 e rapidamente expandiu a fronteira numa linha de perto de Barca de Alva até Lisboa criando assim Portugal e depois alargando o território até abaixo do Tejo.

 

Quase um século depois o rei D. Afonso III, que antes vivia em Boulogne, e por isso foi cognominado “O Bolonhês”, veio ocupar o trono tendo reorganizado o estado e  iniciado a intensificação das ligações com o norte da Europa  o que permitiu seu filho D. Dinis, que entretanto tinha recebido de seu avô D. Afonso X, rei de Leão e Castela, como presente o Algarve, continuar a organizar o país e iniciar o desenvolvimento da nossa marinha.

 

Cerca de 1380 a situação política complicou-se, pois o rei D. Fernando morreu, deixando uma filha casada com o rei de Castela, e o país dividido entre os partidários  deste, que era a maior parte da nobreza, e os partidários de D. João, Mestre de Avis e irmão bastardo do rei, que era apoiado principalmente pela burguesia de Lisboa e Porto, onde havia elevada percentagem de judeus sefarditas, e tinha excelentes relações com a Inglaterra.

 

Assim foi o Mestre de Aviz o rei D. João I, que com estes apoios e a escolha de Nuno Álvares Pereira para chefiar o exército português conseguiu derrotar o rei castelhano, garantir a independência do país e dar origem à dinastia de Avis, e como o desenvolvimento só se podia realizar para sul e poente, isto é, pelo mar, a estratégia então decidida foi a expansão marítima.

Não com reuniões e congressos, mas com navios e portanto com marinheiros e demais profissionais náuticos começando com Ceuta, depois ao longo da costa de África e pelo meio do Oceano  Atlântico, Portugal foi alargando o seu território e o conhecimento das correntes e dos ventos que lhe permitiu nos finais do século XV, sob o comando de D. João II conhecer todo o oceano do norte e do sul e a passagem para o Oceano Indico pelo Cabo da Boa esperança.

 

Depois, empurrou os castelhanos para a América central  (com Colombo e o Tratado de Tordesilhas) deixando o caminho aberto para Vasco da Gama chegar à India em 1498, com naus e não só com caravelas, e em 1500 Álvares Cabral tomar posse do Brasil.

Nas décadas seguintes foi estabelecido o Império do oriente ligando Portugal até ao Japão, tendo inclusive chegado à Austrália, e tendo a Marinha mais poderosa dessa época.

 

Fomos na verdade então um país central, portanto não periférico como agora, a ponta de lança da expansão europeia e um dos fatores essenciais do renascimento europeu.

Mas entretanto, após a morte de D. João II, a parte da nobreza que havia sido enfraquecida durante a guerra com Castela em 1386, aumentou o seu poder e conseguiu destruir a influência da burguesia, através da perseguição e da expulsão dos judeus, e assim instaurar uma cultura de desprezo ao mérito em favor do compadrio e do negócio imediato, que havia de perdurar e influenciar toda a vida nacional até aos tempos presentes.

 

Como consequência disto a gestão do reino foi-se deteriorando e o rei D. Sebastião fechou este ciclo com o desastre de Alcacer Quibir a que se seguiu um período de 60 anos com reis espanhóis.

Recuperada a independência com a ajuda da Inglaterra e da França retomámos a exploração do Império mas cometendo erros de gestão que não nos permitiram participar no desenvolvimento europeu, gastando mais em consumo que em investimentos produtivos e desprezando a educação da população, inclusive da própria elite dominante altamente ignorante.

Tudo isto agravado pelo terramoto de 1755 e pelas invasões francesas no início do século XIX que devastaram o país, ao que somou a perda do Brasil que se tornou independente já que a alternativa seria a capital do império passar para o Rio de Janeiro.

O século XIX acabou mal com os erros na gestão colonial que culminaram com o episódio do ultimatum  da Inglaterra, seguiu-se o assassinato do rei D. Carlos e pouco depois a queda da monarquia em 1910.

 

A República mudou a forma de acesso ao poder mas não a cultura, mantendo-se assim todos os esquemas de má gestão iniciados no século XVI, o que explica as ocorrências revolucionárias, as dificuldades económicas e sociais que devastaram o país e originaram o baixíssimo grau de instrução da maior parte da população.

Desta situação resultou o estabelecimento duma ditadura que durou quase 50 anos mas, embora não corrigindo todos os erros de gestão anteriores, os compensou com disciplina forçada e que permitiu evitar os desastres ocorridos na I guerra mundial e a participação na II, chegando nos anos 60 a atingir uma situação económica razoável.

 

Mas principalmente os erros cometidos na gestão das colónias, somados à inadaptação às mudanças provocadas pela evolução mundial conduziram primeiro às guerras coloniais e depois à revolução de Abril de 1974.

Aliás também depois desta revolução, mais perdida pelo poder vigente que ganha pelos revolucionários (como tinha acontecido em 1910), Portugal continuou a manter a tal cultura pouco eficiente que nos atormentava desde há muito tempo, agravada pela convicção de muitos portugueses de que viver gastando mais do que o que produz é um direito adquirido nada devendo ser feito para corrigir esta loucura, e atingiu os resultados que estão bem à vista na necessidade de termos uma “troika” estrangeira para nos emprestar dinheiro, pois não temos meios sequer para pagar o que comemos, tudo isto com muitos protestos mas sem propostas alternativas.

 

Moral da história: não é a primeira vez que passamos por dificuldades deste tipo e a forma mais eficaz de corrigir este rumo à bancarrota e à fatal miséria daí resultante é alterarmos a cultura vigente, usando os meios que hoje existem e antes não existiam, sem incluir greves de caráter partidário, para pressionar os poderes instalados a adotarem os procedimentos e as atitudes da cultura do valor do mérito, do investimento correto, da predominância do essencial sobre o acessório, da Justiça e da Democracia, da responsabilização sistemática de tudo e de todos, enfim de tudo o que permitirá uma gestão eficiente e assim, todos, e não apenas alguns, viverem bem e de forma sustentada.

 

Publicado no DN em 16 de Novembro de 2011

 

 

 

 

 

 



publicado por JoseViana às 22:02
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