O DN do domingo passado apresentou um trabalho bastante desenvolvido sobre o nosso turismo donde ressalto algumas afirmações: o crescimento em volume de turistas e em receitas globais mas pouco ou nenhum crescimento na receita per capita, isto é por turista.
O que obviamente não espanta quem esteja ligado a esta atividade económica e não se tenha distraído pois durante as últimas décadas andámos a desenvolver o “sol e praia” gastando avultadas quantias em “promoção” esquecendo a definição de turismo e portanto não aplicando as regras básicas da gestão eficiente, que obriga a definir os objetivos a atingir, os meios para o conseguir, e o controle de resultados de forma a ir adaptando o trabalho a fim de ir melhorando a sua atuação.
Convém agora rever a definição de turismo que uso desde 1973 em que fui forçado a estudar este assunto quando fui responsável pela transformação do Funchal em navio de cruzeiros: atividade económica global e sistémica em que o produto a consumir não é levado ao cliente mas é este que vem consumi-lo.
Portanto é evidente que o cliente ideal é o que mais valor acrescentado proporciona, o que implica cuidar da qualidade do produto oferecido, o que aconteceu em alguns casos como por exemplo com a Quinta do lago, com Vale do Lobo, com os cruzeiros no Douro, com o aumento do golfe e está a acontecer agora com a nossa gastronomia, mas que a tolice do sol e praia foi o exemplo exatamente do contrário.
Entretanto já lá vão quase trinta anos que temos lutado contra este erro que já custou muitos milhões de prejuízo ao País e milhares de postos de trabalho que tanta falta nos fazem, sem que a comunicação social, os governantes e os responsáveis corporativos abandonem essa distração, que tem sido o desprezo pela Marinha que é um fator essencial, uma vez mais na nossa história, para sairmos desta apagada e vil tristeza de sermos um País empobrecido e periférico, por ser mal governado.
Com efeito fazemos cais para receber navios estrangeiros com turistas que deixam cá algumas dezenas de euros cada um, mas quando quisemos ter navios nossos o governo ( nos finais da década de 80 princípio de 90) proibiu essa iniciativa e acabou com a empresa privatizando-a e assim iniciando esta moda suicida de perder poder económico.
Temos enorme potencial de turismo náutico de elevado valor acrescentado em zonas como por exemplo no estuário do Tejo, no Sotavento Algarvio e no Alqueva, que em poucos meses podem criar milhares de postos de trabalho a atrair turistas do nível desejado, onde inclusive há projetos concretos há já vários anos que continuam parados nas gavetas de Presidentes de Câmaras e de Secretários de Estado sem que haja qualquer manifestação útil por parte dos distraídos atrás indicados.
Porquê?
Por preconceitos esquerdistas ou simplesmente de deficiente raciocínio por a Marinha de Recreio ser “fascista”, a Marinha de Comércio ser “colonialista” e a de Pesca ser de “pobres” ou por deficiência de informação resultante de nunca terem praticado e/ou estudado atividades náuticas?
E no entanto queixam-se do facto de Portugal se ter tornado num país periférico o que não era quando tinha a melhor Marinha da Europa e iniciou a globalização, mas nada fazem para alterar este rumo, que do ponto de vista previsto na nossa Constituição da preservação das nossas soberania e independência é suicida e inconstitucional.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2014
José Carlos Gonçalves Viana
XX COLÓQUIO DOS OLIVAIS
24,25,26,27,28,29 NOVEMBRO 2014
A importância das coisas sem importância
Há coisas na nossa vida e na vida de todos nós, habitantes deste planeta onde vivemos num meio em equilíbrio quase milagroso, que têm enorme importância para a nossa sobrevivência. E esta é a coisa mais importante para qualquer ser vivo.
Nos três colóquios anteriores tive a honra e o prazer de vos roubar largos minutos tratando algumas coisas relacionadas com a questão da sustentabilidade da cidade e portanto fazendo parte dessas coisas muito importantes.
Este ano resolvi alterar o critério e aqui estou para fazer convosco um exame simples e leve das coisas ditas sem a importância daquelas a que me referi no início mas que talvez valha a pena examinar.
Antes de mais devo confessar-vos ter tido um pequeno problema com o título pois acheio-o conveniente para o objetivo que tinha mas, ao iniciar o trabalho, cheguei à conclusão que na verdade quando disse “sem importância” o que acontece de facto muitas vezes é “não se lhes dar a devida importância”. E assim teremos na verdade três tipos de coisas no que se refere a importância: as reconhecidamente importantes, as que poderão ser importantes (conforme as opiniões) e as que cada uma por si não são importantes.
O que implica um problema que é: quem é que lhes dá ou não importância?
É claro que a própria palavra importância tem que ser melhor analisada porque a sua dimensão, o seu porte, não é a única influência pois as circunstâncias em que a coisa acontece é determinante. Como exemplo simples admitamos que caímos numa zona alagada funda: o mais importante é alguém nos atirar um cabo ou uma bóia de forma a nos salvarmos de morrer afogados em vez de nos ler um projeto de sistema de salvamento.
Portanto as coisas importantes referem-se à Vida, e para quem é crente a Deus, ao Universo, à Terra, ao País, à Cidade, à Família e finalmente à Pessoa.
Enquanto as tais coisas sem importância se referem aos factos da nossa vida doméstica e profissional na nossa proximidade que muitas vezes se repetem sistematicamente e que tantas vezes já nem lhes prestamos qualquer atenção.
Que constitui logo uma fonte de problemas porque as rotinas fazem perder a noção das mudanças embora pareçam ser pequenas cada uma, no entanto os seus efeitos vão sendo aditivos e daí as complicações que surgem, principalmente ao longo do tempo
Um pouco como a história da rã posta num tacho com agua fria ao lume e quando ela percebe que a água está quente demais já não é capaz de saltar para fora.
Todos os seres vivos têm como a coisa mais importante a sobrevivência. O Homem como ser vivo mais complexo também assim procedeu até atingir a forma civilizada.
Mas entretanto exatamente por ser mais complexo transformou a luta pelo poder comum aos animais, relacionada com a luta pela sobrevivência, numa luta pessoal e de grupo muitas vezes adversa da sobrevivência da espécie.
E assim assistimos ao desenrolar da história da humanidade onde, conforme as populações se foram organizando em organismos sociais mais complexos, estes foram dependendo sempre dos comportamentos dos seus dirigentes, frequentemente dominados pela ganância e pela vaidade, que provocaram a sua própria destruição, tantas vezes disfarçada de agressão exterior, pois não sendo capazes de analisarem as verdadeiras causas do seu insucesso também não conseguiram corrigir os rumos incorretos que vinham seguindo.
Neste fenómeno comportamental das populações sempre houve uma influência muito relevante da comunicação social que não é tão moderna como se pode julgar, porque o que é moderno é o conjunto de meios técnicos ao dispor dos utilizadores, a velocidade de propagação e a área abrangida, pois durante séculos apenas havia o contacto oral direto.
Mas a influência da oração e do exemplo dado pelos dirigentes era semelhante à que acontece agora apenas limitada a número de pessoas muito menor, tal como a população que no fim do século XIX era cerca de 1 bilião e agora já passa dos 7.
E se nesses tempos recuados só alguns tinham acesso à apresentação das suas ideias e opiniões verifica-se agora exatamente idêntica situação, o que conduz às mesmas distorções e confusões na informação fornecida à população, embora pareça haver a convicção de que toda a gente que, por ter liberdade para se exprimir sem ser preso se estiver em desacordo com o poder vigente, consegue ter influência nas decisões.
Na realidade a influência da comunicação social está muito dependente de quem controla os meios que a maioria consome seja na TV, na Rádio, nos jornais e nos cartazes.
Uma das consequências deste comportamento dos dirigentes em exercício é o desinteresse da maioria da população em participar ativamente na vida política que nas democracias se manifesta periodicamente pela enorme abstenção nas eleições, o que desgasta fortemente a sua eficiência. É conveniente recordar que na pátria original da democracia estava previsto que em ocasiões de dificuldades excessivas era nomeado um tirano para ultrapassar essas dificuldades momentâneas.
Entretanto a comunicação social depende desses mesmos dirigentes, de forma direta ou indireta, e assim as correções ao rumo seguido que permitiriam melhorar as condições de vida e a sustentabilidade do País e portanto da população não se realizam da forma mais eficiente ou por vezes de forma alguma.
Chamo a vossa atenção para a palavra sustentabilidade que é mais atual que a sobrevivência embora o resultado seja idêntico.
Portanto a lista dos assuntos a que se não dá a devida importância fica assim mais aumentada e complicando a definição da linha de separação entre as coisas mais importantes e as menos importantes.
Para atenuar esta dificuldade vou apresentar algumas coisas que julgo mais importantes mas a que eu acho que não tem sido dada essa categoria e outras que reputo serem de facto menos importantes.
A reforma da estrutura do Estado de forma a não só evitar os gastos enormes com atividades improdutivas e/ou impeditivas da nossa competitividade mas também alterar os comportamentos tradicionais das nossas elites dominantes que conduzem aos factos conhecidos destes últimos trinta anos.
Os equívocos da educação nacional expresso no título dum Ministério que na verdade não passa da instrução, como já foi, um vez que se despreza o peso essencial dos enquadramentos e dos exemplos dos chefes sejam eles políticos, corporativos, familiares, desportivos e outros
O equívoco da Cultura a nível do Governo, tal como na Educação, que só trata de uma parte, as Artes, desprezando as restantes componentes como são as atividades, as crenças e comportamentos, enfim tudo o que define a maneira como a população vive.
O desprezo pela essência da identidade do povo português que levou à destruição da Marinha nacional e à insistência em falar no Mar mas não na recuperação da nossa Marinha, sem a qual aquele pouco mais será que paisagem e Portugal jamais poderá ser independente como a História ensina a quem a quer conhecer.
O esquecimento do dever de defender a independência do País pelos Órgãos de Soberania como está expresso na Constituição
A recuperação de capitais nacionais em indústrias de grande porte em vez de serem vendidas a estrangeiros alterando os enquadramentos herdados do sistema antigo do condicionamento industrial e do chamado complexo de Edison que consiste na sistemática obrigação de tudo ter que ser autorizado por um governante de forma discricionária significando que, se Edison tivesse nascido aqui, nunca conseguiria fazer lâmpadas pois os ministros não sabendo o que isso seria nunca o autorizariam. Comportamento este que muito contribui para ocorrências de corrupção, além do velho truque de se criarem dificuldades para se venderem facilidades.
A gestão da água no prazo adequado a garantir a segurança do seu abastecimento incluindo a sua reutilização devidamente interligada com a produção de energia renovável. Nunca se deve esquecer o facto da água ser, como o ar, um bem essencial para a vida.
Após estes esclarecimentos ou melhor desta tentativa de esclarecimento já podemos voltar às coisas sem importância e para isso sugiro recordarmos um princípio que parece ter origem na Sabedoria oriental e que diz: se queres aperfeiçoar o mundo começa por te aperfeiçoares a ti mesmo, depois a tua família, a seguir a tua cidade e o teu país e então chegarás ao mundo.
Portanto as coisas sem importância começam ao acordar e vão acontecendo pelo dia e pela noite fora até ao acordar do dia seguinte: umas só com o próprio protagonista seja a fazer a barba ou a cortar uma unha, outras com quem se convive em casa, no transporte para o trabalho e depois neste e assim até recomeçar na manhã seguinte.
São muitas as coisas que acontecem em cada dia que passa e muitas as que não terão importância alguma mas se repararem com atenção algumas delas deixaram marcas noutras pessoas ou em si próprio.
Se nos lembrarmos de que isto sucede 365 vezes por ano, pelo menos, o somatório destas marcas acaba sempre por deixar um rasto de maior ou menor intensidade que poderá ter mais influência da que se julga não existir.
Uma palavra ou um gesto pode ser suficiente para dar ou receber uma alegria ou uma frustração e a soma de tudo isto pode significar um contributo relevante para mais momentos felizes que são o sustentáculo da felicidade de cada um e de quem com ele convive.
Lisboa, Olivais, 25 de Novembro de 2014
José Carlos Gonçalves Viana
Este texto será publicado nos Cadernos Culturais Telheiras em Novembro 2015