Um dos fatores que mais pesa quando se quer avaliar a importância de uma revolução é analisar o que aconteceria se dos pontos de vista nacional e internacional o resultado dela fosse exatamente o contrário do que foi.
Em Portugal atualmente comemoramos três revoluções: 1 de dezembro de 1640, 5 de outubro de 1910 e 25 de abril de 1974.
Em 1640 se não tivéssemos recuperado a independência Portugal teria ficado a ser apenas uma região espanhola, a língua portuguesa teria diminuído ou até quase desaparecido e internacionalmente a Espanha ganharia poder em relação a França e Inglaterra com quem estava então em guerra.
Em 1910 a mudança de monarquia para república não teve consequências importantes do ponto de vista internacional e a gestão do nosso País não melhorou o suficiente para evitar o descalabro económico que veio a provocar a ditadura do Estado Novo e se tivessem ganhado os monárquicos muito provavelmente teria acontecido algo idêntico ao que aconteceu.
Em 1974 a mudança efetuada em condições idênticas a 1910, isto é, o poder foi mais perdido por quem o detinha que ganho por quem se revoltou, trouxe ao País a liberdade que não havia tanta e melhores relações internacionais mas, do ponto de vista de gestão, houve várias crises próximas da bancarrota que deterioraram a nossa independência e se se tivesse mantido o Estado Novo com algumas alterações provavelmente a evolução não seria muto diferente do que aconteceu mas com menos liberdade.
Ora na nossa História houve outra revolução, a de 1383-85, que merece ser analisada mais profundamente pois por detrás dela está a formação do país Portugal e do cidadão português que não existiam antes de o Príncipe Afonso Henriques decidir ser Rei, para o que era indispensável criar um reino, conquistando o território a sul ocupado pelos mouros e defender-se do poder dos reis vizinhos de origem visigótica cuja tendência para a unificação era fatal.
Portanto era preciso conquistar rapidamente Lisboa, o que aconteceu e desenvolver as atividades marítimas já existentes há séculos uma vez que todo o tráfego entre o Mediterrâneo e o norte da Europa passava pela nossa costa, e dadas as características dos ventos e a pequenez das embarcações, havia enorme interação de tripulantes e habitantes dos vários portos então existentes.
Assim procederam os reis seguintes, com especial relevo D. Afonso III e D. Dinis, que muito fortaleceram a burguesia onde havia elevada percentagem de judeus originados de Alexandria onde se tinha mantido o conhecimento científico e tecnológico grego-romano que entretanto a Europa medieval tinha esquecido, sendo notável terem no cômputo geral da dinastia praticado uma gestão pró-ativa e inclusiva, como aconteceu na dinastia seguinte até à morte de D. João II. Como exemplo desta disparidade basta recordar que em Alexandria, quase dois séculos antes de Cristo, Eratóstenes havia determinado ser a terra uma esfera e qual o seu diâmetro enquanto nos finais do século XV ainda na Europa central se pensava ser a Terra uma superfície plana!
Assim quando em 1383 morre o Rei D. Fernando I deixando como herdeira a sua filha Beatriz, casada com o Rei D. João I de Castela, houve a possibilidade de este passar a ser também rei de Portugal.
Mas embora a maioria da nobreza de origem visigótica estivesse de acordo com esta solução aconteceu uma revolução suportada essencialmente pela burguesia marítima e tendo como candidato a Rei o Mestre da Ordem de Avis de nome João e filho bastardo do Rei D. Pedro I, que tendo vencido permitiu em 6 de abril de 1385 coroá-lo como D. João I.
Em primeiro lugar teve que consolidar a independência do país, com o apoio fortíssimo de D. Nuno Álvares Pereira, o que significou só ter disponibilidade para iniciar a expansão marítima em 1415 com a conquista de Ceuta quando os filhos mais velhos já participaram ativamente. Convém aqui recordar que em 1401 Afonso, Conde de Barcelos e filho bastardo de D João I, casa com Beatriz, filha de D. Nuno Álvares Pereira e dá origem ao Ducado de Bragança que vai ter enorme protagonismo na vida nacional durante e depois do século XV.
A partir de 1415 desenvolve-se ainda mais a nossa Marinha, com todas as atividades que séculos mais tarde alguém chamou um “cluster”, que permitiu ter a frota mais poderosa e o maior conhecimento geográfico de toda a Europa e assim realizar os descobrimentos marítimos, que iniciaram a expansão europeia e a globalização deixando de herança à dinastia seguinte o enorme potencial de riqueza que esta não soube aproveitar da melhor forma.
Para se poder compreender corretamente este século XV em Portugal tem que se ter em conta que praticamente a partir de 1415 ficaram em confronto duas linhas de poder político a saber: a da Casa de Avis e a da Casa de Bragança que começa a aumentar a sua influência após a morte de D. Duarte e a regência do Infante D. Pedro que acaba por ser morto em 1449 na batalha de Alfarrobeira. Entretanto os descobrimentos continuam a progredir e em 1474 D. Afonso V entrega o poder marítimo ao Príncipe D. João que durante os vinte anos seguintes realiza o que ficou descrito no parágrafo anterior, mas mais do que isso provocou a “descoberta” por Colombo das Américas onde os espanhóis se fixaram e donde mais tarde obtiveram enormes riquezas, dando o tempo preciso para Vasco da Gama ser o primeiro europeu a ligar por via marítima a Europa à Índia.
Mas se em vez do Mestre de Avis tivesse ficado o Rei de Castela as consequências disso teriam sido enormes para Portugal e para todo o mundo, pois a burguesia teria desaparecido, como desapareceu em Espanha, Portugal seria uma região espanhola, a língua portuguesa desaparecia, não teria havido os descobrimentos como houve, e só haveria bastante mais tarde, afetando o próprio movimento do Renascimento, portanto com enorme influência na História do Mundo.
A explicação do apagamento do papel de Portugal na expansão europeia, pela sua extensão não cabe no âmbito deste texto, mas fica apenas a ideia que ele foi devido à mudança radical de gestão do País para o sistema reativo e extrativo praticado pelos Reis da Casa de Bragança, que se perpetuou até hoje, e aos interesses internacionais que aproveitaram a iniciativa portuguesa para seu proveito.
No entanto em Portugal é notória a apatia dos partidos políticos e das entidades privadas quanto ao facto de não se conseguir desenvolver a Economia do Mar sem se cuidar eficazmente de restruturar a Marinha (Armada e Marinhas de Comércio, Pescas e Recreio) e dinamizar o acesso da população às atividades náuticas, como se fosse possível ter Economia do Mar sem Marinha à altura. E isto acontece num País que, tendo tido a sua época mais brilhante e produtiva baseada na excelência da sua Marinha, continua a mostrar esse desprezo até hoje, pois se assim não fosse já teria sido criado um feriado no dia 6 de abril, a data em que foi empossado o Mestre de Avis como Rei D. João I.
Lisboa, 12 de março de 2018
José Carlos Gonçalves Viana